segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A filosofia é algo inútil



Quando penso acerca da filosofia, compreendo-a como aquela pessoa chata que incomoda muito com a presença, com os questionamentos. Todos conhecemos pessoas com este perfil. Quando percebemos que estão chegando perto de nós, exclamamos internamente para não perder a linha: “Deus do céu, logo agora que tenho tanta coisa pra fazer!”. Ficamos ali, realizando as tarefas cotidianas para não perder tempo e ouvindo o bombardeio de interrogações e questionamentos que nos trazem. Muitas vezes a situação se torna pesada. E quando ouvimos a expressão: “Já tenho que ir, conversamos depois”. Sentimos um alívio sem igual, próprio daqueles dias de sol nos quais nos banhamos nas praias sergipanas, refazendo-nos para a labuta de outra semana de trabalho.
Quase sempre quando nos recolhemos neste lugar impenetrável que recebe vários nomes como psique, interior, coração e outros, recordamos as interpelações trazidas por estas pessoas que dificilmente convidamos para as festas preparadas para os amigos. Começamos a organizar quanto dito, ouvido e retido em nós. E pouco a pouco enxergamos as coisas de outra forma, fazemos uma revisão de nós mesmos, das situações, pessoas e compromissos que nos cercam. Encontramos outras possibilidades e vemos que aquilo que indagamos pode ser diferente.
Surgem outras expressões, por exemplo: “Puxa vida, aquela pessoa tem razão”. Percebemos que estas pessoas são tão chatas quanto necessárias. Pessoas deste perfil fazem algo que o vocabulário filosófico identifica com a expressão “desmistificar”. Nem sempre é fácil realizar esta tarefa. Nós suamos tanto para organizar e manter as coisas como estão que o mínimo pensamento de mexê-las, reordená-las, nos enlouquece.
O belo esporte brasileiro se enfurece diante da palavra desmistificar. O sistema jurídico preocupado em ressarcir os juízes com módicos valores para despesas com moradia, sequer consegue ouvir tamanha expressão. A política brasileira com seus partidos também se encoleriza. A religião que não protege a vida do ser humano na sua dignidade e liberdade invioláveis, abomina qualquer sombra que ouse desmistificar.
É esta atividade que deixa a filosofia em estado de alerta contra aqueles que pretendem utilizá-la não em vista do bem comum como teorizado por Jacques Maritain (1882-1973), mas para fins próprios. Exatamente aqui reside a verdadeira inutilidade da filosofia enquanto pensar que reage e contraria toda tentativa de domesticá-la, de torná-la agradável aos olhos e ouvidos do esporte que agride torcedores, da cultura jurídica que tutela uns em detrimento de outros, da religião assassina e da política que não deseja promover os pobres, mas apenas os instrumentaliza.

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