Quando penso acerca da filosofia,
compreendo-a como aquela pessoa chata que incomoda muito com a presença, com os
questionamentos. Todos conhecemos pessoas com este perfil. Quando percebemos
que estão chegando perto de nós, exclamamos internamente para não perder a
linha: “Deus do céu, logo agora que tenho tanta coisa pra fazer!”. Ficamos ali,
realizando as tarefas cotidianas para não perder tempo e ouvindo o bombardeio
de interrogações e questionamentos que nos trazem. Muitas vezes a situação se
torna pesada. E quando ouvimos a expressão: “Já tenho que ir, conversamos
depois”. Sentimos um alívio sem igual, próprio daqueles dias de sol nos quais
nos banhamos nas praias sergipanas, refazendo-nos para a labuta de outra semana
de trabalho.
Quase sempre quando nos recolhemos neste
lugar impenetrável que recebe vários nomes como psique, interior, coração e
outros, recordamos as interpelações trazidas por estas pessoas que dificilmente
convidamos para as festas preparadas para os amigos. Começamos a organizar
quanto dito, ouvido e retido em nós. E pouco a pouco enxergamos as coisas de
outra forma, fazemos uma revisão de nós mesmos, das situações, pessoas e compromissos
que nos cercam. Encontramos outras possibilidades e vemos que aquilo que
indagamos pode ser diferente.
Surgem outras expressões, por exemplo: “Puxa
vida, aquela pessoa tem razão”. Percebemos que estas pessoas são tão chatas
quanto necessárias. Pessoas deste perfil fazem algo que o vocabulário
filosófico identifica com a expressão “desmistificar”. Nem sempre é fácil
realizar esta tarefa. Nós suamos tanto para organizar e manter as coisas como
estão que o mínimo pensamento de mexê-las, reordená-las, nos enlouquece.
O belo esporte brasileiro se enfurece diante
da palavra desmistificar. O sistema jurídico preocupado em ressarcir os juízes
com módicos valores para despesas com moradia, sequer consegue ouvir tamanha
expressão. A política brasileira com seus partidos também se encoleriza. A
religião que não protege a vida do ser humano na sua dignidade e liberdade
invioláveis, abomina qualquer sombra que ouse desmistificar.
É esta atividade que deixa a filosofia em
estado de alerta contra aqueles que pretendem utilizá-la não em vista do bem
comum como teorizado por Jacques Maritain (1882-1973), mas para fins próprios.
Exatamente aqui reside a verdadeira inutilidade da filosofia enquanto pensar
que reage e contraria toda tentativa de domesticá-la, de torná-la agradável aos
olhos e ouvidos do esporte que agride torcedores, da cultura jurídica que
tutela uns em detrimento de outros, da religião assassina e da política que não
deseja promover os pobres, mas apenas os instrumentaliza.
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