sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Sobre o cuidado da Casa Comum: Religião, Conversão e Preservação.

As páginas da encíclica Laudato Sì em toda sua extensão trazem um incisivo convite à conversão. A conversão não é algo para lugares repletos de um sentimentalismo religioso estéril e inconclusivo. A conversão é algo extremamente humano. Trata-se de uma iniciativa divina que tem o coração humano na mira. A conversão é um projeto de Deus para nos tornar mais humanos. E mesmo quando não nos damos conta, estamos nos convertendo todos os dias. Estamos tomando direções que nos aproximam do coração do Pai que é o nosso verdadeiro Lar.
A conversão nos liberta das prisões que derivam do culto de si mesmo, que remetem ao egocentrismo já presente nas páginas do Gênesis (3,4-5) quando seduzida diante do mistério da iniquidade, a humanidade despede-se de Deus. Não é mais necessário escutá-Lo. Nós sabemos quem somos, de onde viemos e para onde iremos. Precisamos de qualquer coisa, exceto de um Deus. Assim compreendemos a voz do Pai na Transfiguração de Jesus. Dizendo: “Este é o meu Filho amado, escutai-o” Deus reapresenta seu Filho, Caminho de constante conversão do coração. (cf. Marcos 9,7-8)
O coração do ser humano é tão precioso aos olhos de Deus que até mesmo a religião perde a sua identidade quando não visa transformá-lo. O papel intransferível da religião consiste em lê-lo por dentro para fazer emergir o novo inspirado e esperado por Deus (cf. Mateus 13,52). Seja qual for a religião, sua tarefa fundamental consiste em atravessar as superfícies, reconstruindo aquilo que danificamos quando d’Ele nos afastamos. Eis o que encontramos na Palavra de Deus: “Com efeito, é do coração que procedem más intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações”. (cf. Mateus 15,19)
Poucos dias nos separam da celebração que chamamos: Quarta-feira de Cinzas. Em todas as paróquias ouviremos: “Convertei-vos e crede no Evangelho!”. Desde agora percebemos que a conversão não engloba um objeto etéreo e irrealizável. A conversão toca aquilo que há de mais concreto, refaz o ethos, transforma o conjunto das nossas ações. Certa vez, ouvi uma entrevista da filósofa Márcia Tiburi na qual esta afirmava que a ética traz a seguinte questão: O que estamos fazendo uns com os outros?
Através da encíclica Laudato Sì, o Papa Francisco nos ajuda neste caminho de conversão, perguntando-nos: O que estamos fazendo com a Casa Comum? Como nós a recebemos e como a deixaremos para as gerações futuras? “Casa Comum, nossa responsabilidade”, é o apelo feito pela CNBB nesta Campanha da Fraternidade. Esta recorda a expressão grega oikos, normalmente traduzida como Casa. Do termo oikos, deriva ainda a palavra ecologia, que implica as normas que regem a Casa Comum. (nº14)

Assim perguntamos: A nossa Casa Comum está regida sobre normas de preservação ou de agressão? Todos sentem na pequena Aracaju um calor jamais visto que aumenta a cada ano. E o que fazemos? Continuamos desmatando de forma ativa ou passivamente? Nossos grupos, movimentos e pastorais estão envolvidos em projetos de replantação? Qual o lugar que o verde ocupa em nossas comunidades paroquiais? São Francisco de Assis sempre pedia aos frades que houvesse um lugar para o plantio nos conventos (nº12). Sou um cristão católico que ama, protege e se empenha na defesa da natureza?

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Sobre o cuidado da Casa Comum: “Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água”.

Guiado pelo Espírito de Cristo o Papa Francisco cria a encíclica Laudato Sì endereçando-a não apenas aos católicos e aos irmãos que professam outros credos religiosos. Esta carta quer atingir as pessoas do mundo inteiro, mobilizando-nos para que cuidemos daquilo que temos de mais precioso, este doce lar que Deus nos concedeu para fazê-lo frutificar e expandi-lo cuidadosamente para que seja de fato o caloroso abrigo aberto para todos. (nº3)
Todo o apelo presente na Laudato Sì faz com que recordemos as palavras do apóstolo Paulo na Carta aos romanos (8,22): “Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente”. Muitas vezes, parece que não vemos com profundidade o mistério da encarnação do Verbo de Deus. Cristo assumiu a nossa carne em toda a sua extensão, exceto no pecado como rezamos no Credo. Mas recordamos que Cristo morou nesta terra que é a nossa Casa comum? Compreendemos que o céu e a terra rejubilaram diante da encarnação do Filho de Deus? (Lc 2,14).
A Sagrada Escritura revela a nossa vocação de templos que custodiam a presença de Deus (1 Cor 3,16). Normalmente meditando sobre o templo pensamos em nós mesmos, nas paróquias que conhecemos e talvez nas casas de oração que seguem outros credos religiosos. Mas lembramos de que esta terra criada por Deus é também o seu templo santo que vibra e louva e se regozija diante da sua presença? O que fazemos com a terra-templo de Deus? Nós a protegemos? Empenhamo-nos para adorná-la ou a dessacralizamos? Nossos esforços visam somente comercializá-la e depredá-la?
Por vezes não sabemos nos aproximar do sacramento da reconciliação, tecemos elogios a nós mesmos, nos desculpamos afirmando que fomos impulsionados por outros, mas extraindo da Laudato Sì um exame de consciência para nos acompanhar durante o período quaresmal ajudados pela Campanha da Fraternidade deste ano: “Casa Comum, nossa responsabilidade”, certamente nos perguntamos: Como cuido da irmã água? Cuido da água durante o banho e demais higienizações pessoais? Cuido da água na limpeza dos utensílios e higienização do lar? Sei que muitas pessoas enfrentam dificuldades para saboreá-la limpa e pura como Deus nos concedeu? Sei que a irmã água é criatura de Deus? Sei que banhando o próprio Cristo pelas mãos de João Batista, a irmã água foi ulteriormente santificada? Recordo que brotando do coração de Jesus-Crucificado, a irmã água descortinou a Vida contida na Ressurreição? (cf. C. da Fraternidade de 2004: Fraternidade e Água)
Nem tudo depende das políticas internacionais, para fomentá-las iniciemos com políticas domésticas que se amadurecidas alcançarão dimensões sempre maiores. Recordamos os problemas causados pela ausência da irmã água em 2014, no estado de São Paulo. Fomos presenteados com tantas cenas noticiadas nos telejornais que mostravam o cuidado com esta Casa Comum que precisa da irmã água para resplandecer. Tais cenas foram esquecidas? Ainda vemos descuido na lavagem de veículos e calçadas? Vazamentos ininterruptos que tornam ainda mais escassa a irmã água?

Visando repercussões sempre mais concretas da nossa fé, tenhamos um zelo maior por esta Casa Comum. Não esqueçamos de que a obra da Criação de Deus está sob os nossos cuidados. É este o pedido do nosso amado Papa Francisco. Cuidar da Casa Comum é cuidar da Casa de Cristo.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O Papa Francisco e a Encíclica “Laudato Sì” – sobre o cuidado da Casa Comum.

No dia 13 de março de 2013 fomos surpreendidos com a chegada deste Papa argentino chamado Francisco. Um filho de imigrantes que deixaram a pobre Itália em busca de dias melhores nas terras latino-americanas. Nós que até então estávamos habituados com a sucessão eurocêntrica de pontífices, fomos presenteados com um Papa que é filho de uma terra que desde cedo conheceu as dores do martírio. Não apenas o Brasil, mas toda a América latina é Terra de Santa Cruz.
Como os santos inocentes, esta Terra enquanto ainda engatinhava e balbuciava seus primeiros sons foi brutalmente esfaqueada, depredada por aqueles que usurparam não apenas suas riquezas naturais, mas afetaram sua dignidade. Este outro lado do mundo deu-nos o Papa que em meio aos senhores cardeais desconcertou-nos no seu primeiro pronunciamento pedindo-nos que o abençoássemos. Foi desta Terra repleta de privações impostas por tantos dominadores que o Espírito chamou este homem para conduzir o rebanho de Cristo outrora confiado a Pedro.
O mesmo Espírito que suscitou o jovem Francisco no século XIII guia o seu pontificado que nos enche de alegria. Nas páginas da sua encíclica “Laudato Sì” (nº1-3) o Papa retoma o canto de Francisco tantas vezes entoado e meditado nas comunidades paroquiais. Este canto nos remete ao livro do Gênesis quando Deus nos entrega a criação para que exerçamos um domínio que reside no serviço.
Sabemos dos nossos espaços de catequese, que Deus nos deu a faculdade de nomear a criação. Dar o nome significa definir a direção existencial, é participar do processo de criação, por isso a humanidade é criada e ao mesmo tempo é co-criadora. Deus mesmo no seu desígnio divino compartilha com a humanidade a sua atividade criadora.
Toda a criação é intercalada por este refrão: “E Deus viu que isso era bom” (Gênesis 1, 10.12.18.21.25). No coração de Deus a criação é boa, pois gera comunhão. A razão de ser da criação é gerar comunhão, partilha e reconciliação. Relendo as páginas da criação não há espaço para o exclusivamente meu, mas tudo é inteiramente nosso. Não há nada de singular no relato da criação, não há nada de estreito e unilateral. Toda a criação é plural. Singularizá-la e endereçá-la para os canais individuais da desenfreada ganância humana é feri-la na sua identidade mais profunda que consiste em ser-comum.
Utilizar a Terra para acentuar os bens da minha família, da minha classe, da minha empresa, da minha igreja é distanciá-la dos projetos de Deus que não criou os latifúndios e os monopólios e sequer suporta vê-los regados por uma política seja esta socialista utópica ou capitalista selvagem que aniquila o bem comum social, gerando esta nefasta exclusão que sufoca a Criação-Comunhão.