quinta-feira, 7 de março de 2019

08 DE MARÇO: O GRITO DE ELAINE.

Dentre as poucas certezas deste Brasil contemporâneo, uma é indiscutível: a violência contra as mulheres. Esta é uma das marcas cravadas no DNA deste país que assistiu ao longo da sua história, a morte de tantas mulheres índias e negras que sequer podemos imaginar pois não eram registradas. Esta violência contra a mulher possui os mais variados palcos, dos mais públicos aos mais privados. Pode ocorrer numa festa por um decote considerado exagerado, ou ainda no aconchego do próprio lar. Pode ser cometida por uma pessoa totalmente desconhecida, ou até mesmo pela pessoa que se ama. Uma coisa é certa, não vivemos uma sensação de insegurança, mas sim uma realidade que é de total insegurança para todos e sobretudo para as mulheres, que são alvos prediletos da violência. Até mesmo as medidas de proteção aplicadas pela justiça são incapazes de dissipar a marcha da violência contra a mulher. As ordens judiciais não conseguem conter a fúria dos algozes da mulher.
Elaine foi mais uma das vítimas da violência cometida por aqueles que exalavam carinhos e proteção. Um jovem conseguiu entrar em contato com Elaine através dos novos meios de comunicação social. Após alguns meses de trocas de mensagens, este jovem consegue ganhar a confiança de Elaine. Assim decidem marcar um encontro para elevar o nível da relação que deixa de ser virtual para ser real. O jovem príncipe se torna o agressor decidido em tirar a vida da mulher que até então galanteava e os elogios se transformam em golpes e socos violentos que não apenas desfiguram o rosto de uma bela mulher mas frustram suas expectativas, destroem suas esperanças e a confiança nas parcerias humanas. Se houvesse maiores parcerias entre as pessoas, independente das orientações sexuais, religiosas, culturais e quaisquer outras, Elaine não teria transcorrido horas e horas sob os golpes de um jovem estudante de direito que macula uma ciência sempre conhecida pela defesa da vida. É preciso pensar que estes gritos ouvidos exigem de nós um compromisso. É um outro ser humano em busca de socorro. É preciso meter a colher, intervir e usar os meios para denunciar. Elaine não morreu mas as vidas de tantas mulheres são diariamente ceifadas neste imenso Brasil da violência.
O fim de relacionamentos são sempre mais motivos de grandes preocupações para os familiares que pensam como farão para proteger filhas e irmãs, contra a vingança dos companheiros inconformados com as decisões tomadas pelas mulheres. Além de terem suas rotinas transtornadas, quando vão ao local de estudo, de trabalho e lazer, estas mulheres vivem aterrorizadas, sob o fardo do medo de algo que a qualquer momento pode acontecer, pois sabem que muito facilmente elas podem morrer.
O grito de Elaine precisa ser ouvido, em defesa de tantas Elaines, de todas as mulheres que no Brasil e no mundo precisam de proteção. Ainda não há o que comemorar pois as redes de proteção em torno da mulher são frágeis, mas com o empenho de todos, da educação, do direito, dos meios de comunicação social, é possível construir um Brasil no qual a mulher seja respeitada na sua dignidade, em todas as suas escolhas, e tenha as condições necessárias para o seu desenvolvimento integral.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Direito! Cuidado!

Nos sonhos mais cândidos, o direito é contemplado como um instrumento revestido de uma tarefa grandiosa, que se expressa através de verbos que enfatizam o seu papel social: tutelar, proteger, garantir. Implica dizer que o direito desponta com vivacidade cada vez que os conflitos, das mais variadas espécies, ameaçam a convivência em sociedade. Assim, vê-se no direito um perfil pacificador, um canal de diálogo sempre aberto para que se reencontre um caminho certo. Este último, mesmo tendo considerada a variedade de telas que o concretizam, terá sempre características comuns, quais: a alteridade, enquanto abertura ao outro e a tolerância, aqui vista como respeito ao outro no conjunto das suas diferenças que dinamizam o espaço comum social.
É esta a experiência cotidiana que se faz do direito? Há distinção entre o direito teorizado e o direito experimentado? Quando se retoma a história deste gigante chamado Brasil, vê-se um direito europeu que nesta terra presenciou os mais cruentos horrores contra aqueles que aqui estavam. A civilização indígena no Brasil, saboreou um direito usurpador que tutelou apenas o chamado colonizador com os seus projetos expansionistas de dominação política e econômica. Este direito, alojado confortavelmente no bolso do colonizador/patrocinador, não teve tempo para ouvir os gritos de uma cultura indígena dizimada por ser diferente, por exigir outro tipo de relação com a terra, que não é um produto a ser explorado, mas sem dúvida, Mãe a ser ouvida.
Em seguida não foi tão diferente a performance conformista do direito no território brasileiro. Basta observar brevemente as atrocidades características deste imenso Brasil negreiro. O direito permitiu que uma pessoa fosse propriedade de outra pela simples cor da sua pele. A história do Brasil se identifica desde cedo com uma marcha na direção da desigualdade e da negação de direitos. O Brasil se beneficiou de um trabalho escravo no qual o negro violado trabalhou para comprar a própria liberdade. O direito através de suas leis, pouco fez. Com a Lei do Ventre Livre, não explicou como crianças “livres” viveriam ao lado de pais escravos. Com a Lei Sexagenária, disse apenas que não precisava mais de escravos velhos. Com a Lei Áurea, despediu uma massa de pessoas tolhidas por gerações, privas de educação, de saúde, de moradia, despidas de vida.
O que motiva o comportamento deste direito claudicante no território brasileiro? O direito assim experimentado, está do lado de quem? Este direito beijou as mãos dos colonizadores, dos fazendeiros, dos senhores de engenho, dos patrocinadores, das empresas multinacionais. Este direito aplaude as farras das fartas isenções fiscais. Este direito frágil com os fortes e forte com os frágeis, é mais um dos brinquedos manejados por uma política preocupada apenas com a manutenção do poder, como certificam as benesses concedidas às vésperas das votações que fazem a política Temer tremer, aguardando o trabalho da Comissão de Constituição e Justiça. É este direito que através da portaria 1.129 de 13 de outubro de 2017, dificulta o combate a toda forma de escravidão na sociedade brasileira. O direito contemporâneo continua flertando com a opressão ou está dando passos largos na direção do oprimido? Este direito sufoca ou promove o exercício da cidadania? Este direito pactua com os panoramas de morte ou salvaguarda a vida?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O DIA-A-DIA DOS DIREITOS HUMANOS

Uma das características centrais destes dias consiste na conquista de direitos e garantias. Mas reconhecer direitos nem sempre foi algo assim tão natural como se pode pensar. Muitas páginas da história da humanidade mostram a sistemática usurpação de direitos que no solo brasileiro dizimou a fauna, a flora, o índio, o negro, a mulher em nome de uma corte europeia que aqui se instalou trazendo benefícios e mazelas de um progresso. Uma correta abordagem acerca dos direitos humanos trará consigo o grito da alteridade, um apelo para que o direito ultrapasse as barreiras de um clientelismo que isola e vá ao encontro do outro que permanece fora, sem usufruir o que é construído nesta história. (PIOVESAN, 2014, p. 75)
Este é um risco comum quando se aborda hoje acerca dos direitos humanos: pensar que tudo está pronto, reconhecido e consolidado, que já não é mais necessário reivindicar. Há uma forte sensação que faz repensar o Brasil como um país redescoberto em 1988. Após décadas de um silêncio ameaçador imposto pela violência incontestável do regime militar que transformou este solo brasileiro num cemitério clandestino e desesperador. A redemocratização não foi uma varinha mágica que realizou os sonhos acalentados. Ainda existem vozes mais ouvidas que sufocam as minorias e as maiorias desprezadas. Eis a identidade do debate e da práxis que se instauram em torno dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2014, p. 76)
É na obra de Flávia Piovesan, intitulada “Direitos humanos e o direito constitucional internacional”, que se vê o amplo respiro que a reflexão jurídica traz consigo. Assim a tarefa jurídica consiste em gerar redes de uma hospitalidade efetiva, capaz de abrigar os inúmeros desalojados destes dias, que ainda são impedidos de exercer a cidadania ativa. Deste modo, aproxima-se do alicerce da construção jurídica, formado pela refutação da banalização da arbitrariedade e pelo esforço em tornar o direito uma linguagem comum. É preciso mostrar que não é normal lesar. Não há nada de humano nos atos de banir e exterminar. Pelo contrário, estes e seus derivados, são atos desumanos e reprováveis. (PIOVESAN, 2014, p. 77)
Há uma difusa forma de pensar que minimiza de tal modo o tema dos direitos humanos ao ponto de apresentá-los como os verdadeiros vilões da sociedade contemporânea, que deve livrar-se destes postulados nocivos, responsabilizados pelas sensações de injustiça. Parece que quando se recorre ao campo jurídico cível, administrativo, tributário e ainda outros, não se toca, o conjunto global e irredutível dos direitos humanos. Ao contrário daquilo que se escuta, os direitos humanos não são o afago dos bandidos. Os direitos humanos levantam-se em defesa do meio ambiente, da educação, da saúde e de outros valores constitucionais. Talvez se enfatizou pouco, que todos os direitos são humanos. (PIOVESAN, 2014, p. 80)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O QUE É HUMANISMO?

As variadas ciências com seus objetos específicos nutrem uma preocupação com o ser humano. Este debruçar-se sobre o ser humano na sua realidade palpável e contingencial, é aqui chamado de humanismo. Existem equívocos que deturpam esta perspectiva. O humanismo não é convencionalismo, não se expressa nas conveniências, nos conchaves que absolvem o rico presenteado com robustas reduções de pena e condena o pobre que sequer é ouvido e julgado. O humanismo é instrumento de resgate que visa preencher as graves lacunas produzidas por quaisquer ciências que estabelecem parcerias nocivas.
Uma política que aceita a parceria do humanismo não se reduzirá a simples manutenção do poder, não será a clara expressão do custe o que custar, lembrará que a tarefa social consiste em incluir todos aqueles que estão sob os seus cuidados, mostrará que os meios de inclusão são legítimos, possuem fundamento constitucional e não ameaçam ganhos de uma pequena classe que sempre se banqueteou diante do suor desmedido de muitos que tiveram seus direitos negados e sentiram-se até devedores dos seus exploradores. Uma política humanista transformará a democracia na antessala do direito e da justiça.
Uma religião que abriga uma perspectiva humanista não estará ao lado de uma política homicida que recorre ao hospital Albert Einstein e deixa ao léu milhares de brasileiros. Uma religião que se torna um espaço eleitoreiro, que manipula ao invés de libertar as consciências, que gera dependência e não autonomia, não pode apresentar-se como uma religião em prol da vida. Esta não é uma religião da denúncia da opressão, mas é aquela que camufla a corrupção. Uma religião que transforma a doutrina num monopólio da experiência transcendental degenera numa sagrada ferramenta que abençoa a exclusão.
Um direito humanista não aceitará ser mais um brinquedo que satisfaz os detentores do poder. Não cederá diante daquele que pode pagar mais e não esquecerá o que menos tem. Um direito humanista aceitará dialogar com todas as esferas de uma sociedade. Isto não é ingerência. É participação. Um direito humanista não é absolutista. O humanismo evitará que o direito se envaideça, se torne decrépito e acabe assim, cego, mudo e surdo. Um direito humanista não compactuará com semideuses que recebem os tributos dos pobres mortais. O direito humanista caminhará sempre ao lado da verdade e da justiça.
Uma economia humanista jamais verá o indivíduo como simples espécie de mercadoria. Esta economia indagará o que torna o empregador sempre mais rico e o que distancia o empregado do produto que fabrica. A economia precisa ir além de um mero acúmulo nas mãos de poucos. Se a economia não gera distribuição de renda e serviços públicos de qualidade, continuará blindando as desigualdades abissais de uma dada sociedade. O humanismo não é assistencialismo, pelo contrário, trata-se de uma práxis libertadora e emancipadora que visa reunir esforços em prol da construção de uma efetiva cidadania.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

O DIREITO E O MEIO AMBIENTE

A teia de relações chamada sociedade é alimentada por esta propriedade humana inesgotável que é a ação. As propostas éticas, estoicas, hedonistas, teleológicas, deontológicas e tantas outras, oferecem parâmetros para uma leitura interindividual da ação, evidencia o fundamento teórico sobre o qual a mesma está pautada. O direito, enquanto linguagem ética coercitiva realiza uma leitura enfatizando os diques que são necessários para conter disparates e descontroles que ameacem a harmonia das relações erguidas na sociedade. Ler o crime de forma analítica implica perceber que este traz consigo um fato típico que remete a uma ação. Por sua vez, a ação que está sob a ótica do direito não deriva só da pessoa física, mas ainda daquela jurídica.
As pequenas e as grandes empresas nas variedades das fabricações constituem a chamada pessoa jurídica. É impossível pensar a sociedade atual sem os serviços prestados por empresas nacionais e multinacionais. A fabricação de energia elétrica, a exploração de petróleo e a composição dos demais combustíveis, de um modo ou de outro, fazem parte do cotidiano de todo cidadão que se beneficia com toda esta superprodução. É impensável colocar estas atividades sobre os ombros deste velho conhecido chamado Estado. Por isto, este age qual agente regulador, como alguém que vigia para que tais iniciativas não firam o bem comum. É desejável uma boa relação entre setor público e privado, capaz de respeitar direitos fundamentais consolidados.
No convívio social, o direito é algo que deve ser assegurado indistintamente e ainda com a maior seriedade. O direito não deriva da bondade do monarca que sob o bom ou mau humor, concede ou retira benefícios. O direito perpassa toda extensão da experiência humana e acentua o respeito aos elementos que lhes são indispensáveis. Graças ao progresso da reflexão jurídica, o meio ambiente é direito humano fundamental. Trata-se de uma escala axiológica, de valores jurídicos indiscutíveis tutelados pelo público e pelo privado. A política e a economia não podem assistir nem muito menos promover uma destruição do meio ambiente. Com o auxílio da educação, ambas devem aprimorar uma cultura do cuidado com esta cara Casa chamada Terra.
Este solo brasileiro desde cedo sofreu as dores do desmatamento, do esfaqueamento das reservas naturais com as quais as cortes europeias se banquetearam por séculos. O direito contemporâneo não pode permitir que as castas empresariais perpetuem as tragédias ambientais. A comercialização madeireira e o progresso imobiliário não podem asfixiar o presente e sentenciar um futuro cinza, opaco, sem cor, sem verde e brilho. A PEC 65/2012 lança descrédito sobre uma política jurídica nacional que mutila a natureza em nome de um capital que não pode aguardar as etapas de licenciamento para obras que exigem maior proteção jurídica. Deixando o meio ambiente ao léu, exposto aos mais variados descasos, o Estado permite que este seja agredido pelo setor privado, fecha os olhos diante das ações nocivas de pessoas jurídicas que ainda são presenteadas com largas isenções fiscais. A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a exploração da Mineradora Samarco mostram que isto não é progresso. O nome correto para isso é crime. Os fortes ataques contra a Constituição dita cidadã revelam a legalização da depredação do meio ambiente.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

DIREITO, PRINCÍPIOS PENAIS E SOCIEDADE.

O convívio social não pode ser visto como o brinquedo sob os caprichos políticos que disseminam inseguranças de toda sorte e inclusive esta chamada de jurídica. O conjunto de princípios que animam a reflexão jurídica e o papel da pena na sociedade, possuem a função de assegurar que o julgamento não resulte de arbitrariedades, de jogos midiáticos e nem de supostas pressões populares. O ato de julgar não é traduzido por sentenças privadas, não se trata da expressão de uma vingança articulada numa sucessão de etapas. O julgamento na sociedade civil segue o sentimento coletivo de justiça, numa dimensão humanista e integrativa, respeitosa da dignidade do ser humano.
Um destes princípios consiste na legalidade e afirma que um comportamento só pode ser apontado como criminoso e, portanto passível de pena quando previsto na forma da lei (NUCCI, 2008, p. 70). Quanto dito toca a anterioridade da lei (NUCCI, 2008, p. 71) que não é criada como resposta impensada e curvada diante do furor social para desprezar garantias conquistadas. A lei precisa evitar abstracionismos e ser o quanto precisa na exposição das suas intenções. A lei deve ser taxativa e fugir de ambiguidades que repercutiriam na sua aplicabilidade. Este princípio é chamado de taxatividade (NUCCI, 2008, p. 75).
A precisão contida na lei leva ao quesito da individualização isto é, a pena deve ser aplicada considerando o impacto social do crime e a personalidade do autor. Deste modo, a pena não é branda nem excessiva, mas na justa medida necessária para gerar os aguardados equilíbrios sociais (NUCCI, 2008, p. 72). Entre o crime cometido e a pena imputada há um equilíbrio que é pensado pelo princípio da proporcionalidade (NUCCI, 2008, p. 75). A pena diz respeito apenas ao seu autor e este deve cumpri-la nos termos da lei sem possibilidade de abranger qualquer pessoa que não tenha participado do crime. O princípio da personalidade auxilia nesta função de circunscrição da pena (NUCCI, 2008, p. 71).
Uma vez codificada, a lei obedece a vigência e não exerce qualquer efeito diante de condutas anteriores ao seu surgimento, salvo quando implicar um correto favorecimento do réu (CAPEZ, 2009, p. 48). Assim esboçado o princípio da irretroatividade da lei, vê-se ainda o princípio da adequação social, segundo o qual a atividade jurídica não pode criminalizar um costume já absorvido pela inteira sociedade (GRECO, 2007, p. 58). As questões acerca do jogo do bicho e da descriminalização da maconha podem ser inseridas neste espaço e mesmo diante de várias posições não receberam respostas definidas oriundas da comunidade jurídica. A popularidade do jogo do bicho, as reconhecidas propriedades medicinais e o suposto enfraquecimento econômico do tráfico seriam suficientes para legitimar a descriminalização?
Ao lado dos princípios elencados estão os princípios da intervenção mínima (NUCCI, 2008, p. 73) e da insignificância (GRECO, 2007, p. 69), que não são menos intrigantes no convívio contemporâneo. O desenvolvimento jurídico trouxe consigo um aprimoramento litigioso em detrimento de possíveis vias de conciliação. Sendo assim, o direito penal que deve ser o último convocado para dirimir tensões surgidas no convívio social, é chamado com frequência para discutir questões que poderiam ser vistas sob a ótica do direito civil. Por motivos desta ordem, o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, trancafiadas em lugares que são palco de atrocidades que ferem o princípio da humanidade, segundo o qual a pena não deve ser perpetuada, forçosa, segregar através das expressões de crueldade e nem retirar a vida (NUCCI, 2008, p. 72). Deste modo a atribuição da pena na sociedade brasileira fere em larga escala os equilíbrios esperados no convívio social, já que deixa de ser mínima, imparcial e humana, tornando-se máxima, discriminatória e desumana. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

RELIGIÃO, SERVIÇO E INCLUSÃO

Em nome do filho de Deus se promoveu a morte do excluído e se socorreu apenas o incluído. Talvez este seja um dos obstáculos que deve ser superado quando se quer falar sobre Cristo e nestes dias tem sido um exercício difícil. Materialmente, a igreja católica perdeu uma hegemonia secular na descrição da identidade e da missão de Cristo e até as chamadas igrejas evangélicas fragilizam este papel diante da proliferação de igrejas que são inseridas neste mesmo conjunto, pois diante dos seus discursos constata-se uma distância abissal entre o Cristo apregoado e aquele presente no Evangelho. As questões político-partidárias sobrepõem àquelas espirituais anunciadas por Cristo na sua missão.
A pergunta posta por Kant ressoa nas indagações hodiernas e seria assim reconstruída: O que fizemos? O que estamos fazendo? Desde o chamado primado de Pedro que afunda raízes na escolha feita por Cristo tornando este apóstolo a pedra sobre a qual edifica a sua igreja (cf. Mateus 16,18), vê-se um desejo de circunscrever a ação de Cristo nas páginas de uma história da exclusão. Parece que se reapresenta a tentação genesíaca que desvela um desejo presente no coração humano: ser deus. O ser humano procura ser um deus melhor, mais aprimorado e em sintonia com os tempos atuais, mas se não for possível suprimir este Deus antigo é bom que seja guiado pelo deus humano.
O Deus descrito por Cristo na sua missão não é alguém de outro mundo que quer ver de perto como é construído o convívio humano, mas sim o Deus que se faz humano e, portanto aceita os desafios desta humanidade. O objetivo não é impedir, mas sim apontar uma rota de concretização deste desejo presente no coração humano. O Deus trazido por Cristo quer mesmo ser indagado, quer ser conhecido e por isso abre as portas da própria vida para ser inteiramente acessível, sem controle de entrada, de cor, de sexo e credo. Estes derivam das convenções humanas que são falhas quando degeneram em órgãos de exclusão. O controle exigido por Deus reside no serviço que gera uma concreta inclusão.
A religião contemporânea na variedade dos seus credos e expressões precisa encontrar uma identidade que ofereça respostas que não foram dadas pela filosofia, pela política e demais ramos do saber. Talvez se dedicou muito tempo na construção de igrejas suntuosas, refrigeradas e dotadas de toda comodidade e por conta disso se esqueceu que a mensagem trazida por Cristo visa incomodar. É preciso gritar para que a religião não se torne inerte e saiba colocar-se ao lado daquele que serve. O Cristo do Evangelho não se serviu da religião, mas pelo contrário, foi por esta aniquilado. Ao lado das ideologias exclusivistas, a religião repetirá as cenas conhecidas de destruição, mas pondo-se ao serviço do ferido, do faminto e de qualquer excluído, tornar-se-á sinal de fraternidade e de inclusão.