quinta-feira, 25 de agosto de 2016

RELIGIÃO, SERVIÇO E INCLUSÃO

Em nome do filho de Deus se promoveu a morte do excluído e se socorreu apenas o incluído. Talvez este seja um dos obstáculos que deve ser superado quando se quer falar sobre Cristo e nestes dias tem sido um exercício difícil. Materialmente, a igreja católica perdeu uma hegemonia secular na descrição da identidade e da missão de Cristo e até as chamadas igrejas evangélicas fragilizam este papel diante da proliferação de igrejas que são inseridas neste mesmo conjunto, pois diante dos seus discursos constata-se uma distância abissal entre o Cristo apregoado e aquele presente no Evangelho. As questões político-partidárias sobrepõem àquelas espirituais anunciadas por Cristo na sua missão.
A pergunta posta por Kant ressoa nas indagações hodiernas e seria assim reconstruída: O que fizemos? O que estamos fazendo? Desde o chamado primado de Pedro que afunda raízes na escolha feita por Cristo tornando este apóstolo a pedra sobre a qual edifica a sua igreja (cf. Mateus 16,18), vê-se um desejo de circunscrever a ação de Cristo nas páginas de uma história da exclusão. Parece que se reapresenta a tentação genesíaca que desvela um desejo presente no coração humano: ser deus. O ser humano procura ser um deus melhor, mais aprimorado e em sintonia com os tempos atuais, mas se não for possível suprimir este Deus antigo é bom que seja guiado pelo deus humano.
O Deus descrito por Cristo na sua missão não é alguém de outro mundo que quer ver de perto como é construído o convívio humano, mas sim o Deus que se faz humano e, portanto aceita os desafios desta humanidade. O objetivo não é impedir, mas sim apontar uma rota de concretização deste desejo presente no coração humano. O Deus trazido por Cristo quer mesmo ser indagado, quer ser conhecido e por isso abre as portas da própria vida para ser inteiramente acessível, sem controle de entrada, de cor, de sexo e credo. Estes derivam das convenções humanas que são falhas quando degeneram em órgãos de exclusão. O controle exigido por Deus reside no serviço que gera uma concreta inclusão.
A religião contemporânea na variedade dos seus credos e expressões precisa encontrar uma identidade que ofereça respostas que não foram dadas pela filosofia, pela política e demais ramos do saber. Talvez se dedicou muito tempo na construção de igrejas suntuosas, refrigeradas e dotadas de toda comodidade e por conta disso se esqueceu que a mensagem trazida por Cristo visa incomodar. É preciso gritar para que a religião não se torne inerte e saiba colocar-se ao lado daquele que serve. O Cristo do Evangelho não se serviu da religião, mas pelo contrário, foi por esta aniquilado. Ao lado das ideologias exclusivistas, a religião repetirá as cenas conhecidas de destruição, mas pondo-se ao serviço do ferido, do faminto e de qualquer excluído, tornar-se-á sinal de fraternidade e de inclusão.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

DIREITO, INTERPRETAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL.

Talvez ainda se encontre certa dificuldade de leitura para desvelar a relação existente entre direito e interpretação. Haverá quem diga: “O direito deve ser apenas aplicado e não interpretado”. A interpretação não consiste numa leitura descomprometida com os variados elementos que originam a realidade circunstante indagada pelo direito. Na sua intransferível tarefa de motivar os necessários processos de adaptação social, o direito deixa de lado o comodismo das receitas prontas e se debruça sobre a peculiaridade do caso, considerando circunstâncias, personagens, motivações e demais marcas históricas.
Na obra “Hermenêutica e aplicação do direito”, Carlos Maximiliano (2011, p.8) enfatiza que:
Interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta. Não se trata de uma arte para simples deleite intelectual, para o gozo das pesquisas e passatempo de analisar, comparar e explicar os textos; assume, antes, as proporções de uma disciplina eminentemente prática, útil na vida diária [...].
Como qualquer outra ciência, o direito não pode ser minimizado por conta das falhas nele encontradas. O direito não é uma dádiva dos deuses, mas uma construção humana e por isso, repleta de lacunas que devem ser preenchidas também através da interpretação. O breve folhear das páginas da história do direito mostra que as melhorias advindas das conquistas legais são indiscutíveis, mas existe sempre algo que escapa do olhar jurídico. É com a ampliação deste olhar que constatam-se de um lado as façanhas do direito e de outro, desafios sociais que devem ser relidos à luz da justiça, da eficácia e da equidade.
A interpretação exerce o papel de conduzir a lei para além de si mesma, da sua erudição linguística que por vezes cria um abismo intransponível entre o seu sentido e os anseios de cidadãos que aumentam o conjunto daqueles que são excluídos de tantas garantias contidas no texto legal. É tarefa da interpretação verificar os sinais vitais da lei, mantê-la oxigenada levando aos seus pulmões o ar puro de uma sã analogia capaz de dinamizá-la, revelando que não se trata de uma letra fria e indiferente mas que pelo contrário, a lei se exercita e vibra quando realiza a sua função social de mobilização em defesa da vida.
Uma vez positivado por meio do labor legislativo, o texto é elevado e transformado em lei, quando interpretado, o texto é sacudido e assim movimentado, retoma um frutuoso diálogo com aquelas situações que causaram sua origem, mas, sobretudo com realidades derivadas que compartilham os compromissos de visibilidade e proteção da dignidade humana. Aqui reside a importância da escolha daqueles que são responsáveis pela elaboração das leis. Quando não brotam de uma correta interpretação, as leis poluem o convívio social e lançam sobre este mesmo, o lixo não reciclável da desigualdade nas suas mais variadas faces.
Somente inserida num movimento interpretativo que a acompanhe desde o surgimento até o momento da sua aplicação, a lei estará protegida contra os particularismos e os partidarismos que a ameaçam e a enfraquecem, distanciando-a das suas reais finalidades sociais. Assim a lei não silenciará diante dos obstáculos que retardam as emancipações aguardadas, nem sequer diante das castas sejam estas políticas ou religiosas e encontrará em si mesma a força necessária para removê-los, favorecendo um desenvolvimento socioeconômico que manuseie de forma harmoniosa os instrumentos da inclusão social.