segunda-feira, 19 de setembro de 2016

DIREITO, PRINCÍPIOS PENAIS E SOCIEDADE.

O convívio social não pode ser visto como o brinquedo sob os caprichos políticos que disseminam inseguranças de toda sorte e inclusive esta chamada de jurídica. O conjunto de princípios que animam a reflexão jurídica e o papel da pena na sociedade, possuem a função de assegurar que o julgamento não resulte de arbitrariedades, de jogos midiáticos e nem de supostas pressões populares. O ato de julgar não é traduzido por sentenças privadas, não se trata da expressão de uma vingança articulada numa sucessão de etapas. O julgamento na sociedade civil segue o sentimento coletivo de justiça, numa dimensão humanista e integrativa, respeitosa da dignidade do ser humano.
Um destes princípios consiste na legalidade e afirma que um comportamento só pode ser apontado como criminoso e, portanto passível de pena quando previsto na forma da lei (NUCCI, 2008, p. 70). Quanto dito toca a anterioridade da lei (NUCCI, 2008, p. 71) que não é criada como resposta impensada e curvada diante do furor social para desprezar garantias conquistadas. A lei precisa evitar abstracionismos e ser o quanto precisa na exposição das suas intenções. A lei deve ser taxativa e fugir de ambiguidades que repercutiriam na sua aplicabilidade. Este princípio é chamado de taxatividade (NUCCI, 2008, p. 75).
A precisão contida na lei leva ao quesito da individualização isto é, a pena deve ser aplicada considerando o impacto social do crime e a personalidade do autor. Deste modo, a pena não é branda nem excessiva, mas na justa medida necessária para gerar os aguardados equilíbrios sociais (NUCCI, 2008, p. 72). Entre o crime cometido e a pena imputada há um equilíbrio que é pensado pelo princípio da proporcionalidade (NUCCI, 2008, p. 75). A pena diz respeito apenas ao seu autor e este deve cumpri-la nos termos da lei sem possibilidade de abranger qualquer pessoa que não tenha participado do crime. O princípio da personalidade auxilia nesta função de circunscrição da pena (NUCCI, 2008, p. 71).
Uma vez codificada, a lei obedece a vigência e não exerce qualquer efeito diante de condutas anteriores ao seu surgimento, salvo quando implicar um correto favorecimento do réu (CAPEZ, 2009, p. 48). Assim esboçado o princípio da irretroatividade da lei, vê-se ainda o princípio da adequação social, segundo o qual a atividade jurídica não pode criminalizar um costume já absorvido pela inteira sociedade (GRECO, 2007, p. 58). As questões acerca do jogo do bicho e da descriminalização da maconha podem ser inseridas neste espaço e mesmo diante de várias posições não receberam respostas definidas oriundas da comunidade jurídica. A popularidade do jogo do bicho, as reconhecidas propriedades medicinais e o suposto enfraquecimento econômico do tráfico seriam suficientes para legitimar a descriminalização?
Ao lado dos princípios elencados estão os princípios da intervenção mínima (NUCCI, 2008, p. 73) e da insignificância (GRECO, 2007, p. 69), que não são menos intrigantes no convívio contemporâneo. O desenvolvimento jurídico trouxe consigo um aprimoramento litigioso em detrimento de possíveis vias de conciliação. Sendo assim, o direito penal que deve ser o último convocado para dirimir tensões surgidas no convívio social, é chamado com frequência para discutir questões que poderiam ser vistas sob a ótica do direito civil. Por motivos desta ordem, o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, trancafiadas em lugares que são palco de atrocidades que ferem o princípio da humanidade, segundo o qual a pena não deve ser perpetuada, forçosa, segregar através das expressões de crueldade e nem retirar a vida (NUCCI, 2008, p. 72). Deste modo a atribuição da pena na sociedade brasileira fere em larga escala os equilíbrios esperados no convívio social, já que deixa de ser mínima, imparcial e humana, tornando-se máxima, discriminatória e desumana.