Dentre os interesses
compartilhados pela filosofia moderna com as ciências, destaca-se a reflexão
sobre a intrigante noção que consiste no eu. O projeto filosófico de Descartes,
conhecido como dúvida metódica a absolve como centro do seu racionalismo. Nada
pode escapar ao ímpeto furioso da razão moderna. O seu caráter demolidor atinge
tudo e todos, exceto o eu que colocando em cheque a aparente estabilidade das
coisas existentes, certifica a realidade da própria existência. Se há um
existencialismo que emerge de Descartes, se trata de um existencialismo
racionalista, como sintetizado na expressão: Penso, logo existo.
Não foi assim tão diferente
a posição de Kant acerca do eu. Na sutileza da sua sistematicidade, o filósofo
de Königsberg evidencia o papel do intelecto que emite juízos sintéticos, ou
seja, que não se dão por satisfeitos com a mera descrição do objeto, mas os
revestem de significados e valores, que descortinam novos âmbitos no processo
de construção do conhecimento. Em Kant, o eu se apresenta como fundamento sobre
o qual o intelecto exerce a função de adjetivar, atribuir e sintetizar.
Com a interpretação de
Fichte, nos afastamos do equilíbrio estabelecido por Kant entre sujeito/objeto
e nos aproximamos da maximização do eu. Como Descartes, Fichte transformou o eu
numa esfera hiperbólica. Tendo sido absolutizado, o eu não admite conotações
precedentes. O fantástico eu dispensa justificativas e explicita a si próprio.
Além de constituir o
primeiro princípio de Fichte, esta autoafirmação carrega consigo a negação de
si. Quando indaga a realidade circunstante, a maior das expressões que
encontramos nos lábios do eu é a que a condecora com o título de não eu.
Perpassando o itinerário de Fichte, esta negação que compreende todo o segundo
princípio, não instaura um abismo intransponível, que torna interminável o valioso
conflito entre eu e não eu. No terceiro princípio postulado por Fichte
autoafirmação e negação se reapresentam com as vestes da delimitação, a partir
da qual eu e não eu se re - identificam.
Somente superando os
desafios apresentados pelo não eu, é que o eu se depara com a plena intuição de
si e constata a veracidade da própria existência. Através do não eu, é que o eu
realiza o esforço vital que consiste em permanecer em si mesmo. Para
concretizar o ideal de liberdade, o eu está sempre escapando das férreas garras
do não eu.
Assim descrito pela
filosofia moderna, o eu acentua uma concepção imanente de Deus. Despido de
transcendência, o Deus da modernidade filosófica, não só reside nas relações
instauradas entre eu e não eu, mas com estas mesmas é plenamente identificado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário