Será mesmo verdade que
apenas a religião atenta contra a nobre laicidade do Estado?
Os desvios de verbas
públicas que assolam os Estados brasileiros atentam contra a laicidade do
Estado? Os descasos com os serviços públicos, com educação e saúde, segurança e
transporte, ferem a laicidade do Estado? Os ininterruptos mensalões denigrem a
laicidade do Estado?
A vergonhosa absolvição
de um deputado condenado pelo STF por formação de quadrilha e desvio de
dinheiro público, atinge a laicidade do Estado? Os 131 deputados que se
esconderam atrás do voto secreto que confirmou a presença deste criminoso na
câmera, causou sérios desequilíbrios à laicidade do Estado? Os 108 deputados
que sequer estiveram presentes para votar, fortaleceram a laicidade do Estado?
A Igreja católica,
protestantes, espíritas, e demais denominações religiosas, sempre estiveram
empenhadas em prol do fortalecimento da laicidade do Estado. Não por acaso,
grande parte dos projetos sociais no Estado brasileiro, são organizados por
tais expressões, capazes de acolher indefesos e marginalizados, que foram
esquecidos pela laicidade.
Enquanto hoje falamos
sobre as conquistas trabalhistas das empregadas domésticas, não esqueçamos que
dom Távora, enquanto arcebispo de Aracaju, durante os anos 60, já tinha
elaborado os primeiros círculos que reuniam as empregadas domésticas e as
lavadeiras, em busca de condições dignas de trabalho. Como a luta deste homem
de fé, feriu a laicidade do Estado?
O Movimento de Educação
de Base (MEB) idealizado por dom Távora mostrou com clareza o rosto da Igreja
católica comprometida em levar educação através do rádio, aos povoados mais
recônditos de Sergipe e de outros estados, sobretudo no Nordeste, Centro-Oeste
e Amazônia, onde não são evidentes os resultados da tão badalada laicidade.
Um dos grandes projetos
de reforma agrária nas terras sergipanas foi idealizado por dom Luciano,
arcebispo emérito de Aracaju. Sem visar enfraquecer a laicidade do Estado, o
PROCASE (Promoção do Homem do Campo de Sergipe), ao longo de duas décadas
(1968-1988), favoreceu a ascensão social, econômica e cultural de várias
pessoas.
Durante os anos da
ditadura militar que marcou as páginas do país do carnaval e do futebol,
inúmeras pessoas encontraram abrigo nas paróquias da Igreja católica. Muitos
leigos e religiosos gritaram no “Diretas Já!”, em prol da democratização do
país. E alguns deles, simplesmente desapareceram, vítimas das torturas que caracterizaram
o fundamentalismo militar no Brasil. Decididamente, estas pessoas de fé e
empenho sociopolítico não ergueram bandeiras contra a laicidade do Estado.
O próprio Estado
brasileiro sempre elogiou o trabalho desempenhado pela Pastoral da criança,
idealizado por Zilda Arns (1983) e ainda hoje perpetuado por homens e mulheres,
inclusive de credos religiosos diferentes, tanto no Brasil quanto em outros
países, atingidos pela desnutrição. Como o desprendimento destas pessoas, fere
a laicidade do Estado?
Sabemos que em 2005 uma
mulher católica, foi assassinada por atuar contra o desmatamento que destrói a
Amazônia, enriquecendo poucos fazendeiros e desapropriando milhares de pessoas.
Como a luta desta mulher de fé - Dorothy
Stang -,
feriu a laicidade do Estado?
Uma simples constatação
dos fatos mostra que o Estado laico fecha os olhos para problemas como a
superlotação dos presídios femininos e masculinos, o descaso nos hospitais e a
ausência de políticas públicas que atinjam as pessoas que são vítimas das drogas
e do álcool.
Do mesmo modo, uma
visita aos hospitais da nossa cidade mostrará a presença de católicos, protestantes,
espíritas e irmãos de outras religiões. Todos através de uma palavra amiga que
conforte o psíquico e o somático, não estão nestes lugares para ferir a
laicidade do Estado. Estes mesmos e outros fiéis que são igualmente cidadãos do
Estado visitam os presídios da cidade, lançam sementes de espiritualidade,
denunciam abusos e se mobilizam para que estas pessoas sejam reintroduzidas na
sociedade, sem qualquer intenção de ferir a laicidade do Estado.
Em vários lugares do
nosso país e inclusive perto de nós na cidade de Lagarto, temos o exemplo do
Projeto Fazenda Esperança, que abriga pessoas destruídas pelas drogas e
esquecidas pelo Estado laico. E ainda recordemos que as paróquias da capital
sergipana estão repletas de grupos que reúnem os Alcóolicos Anônimos, que sob
os cuidados de bons profissionais, retomam as rédeas da própria vida. Como se
feriu a laicidade do Estado?
Honestidade
intelectual, visão histórica, domínio no uso dos termos, serão sempre elementos
indispensáveis para que a pesquisa acadêmica não adquira tonalidades
fundamentalistas. Quando propõem uma antropologia mutilada e unilateral, as
variadas ciências também perdem a própria cientificidade. A grandeza da pessoa
humana nunca caberá nos bolsos estreitos de quaisquer ciências.
Somente percorrendo a
estrada da interdisciplinaridade, numa frutuosa colaboração pluri – científica, nos aproximaremos
deste simples, complexo e irredutível ser que chamamos humano. Repleto de
racionalidade, indagações, questionamentos e críticas, o homo sapiens sempre esteve empenhado na busca das possíveis
relações entre imanência e transcendência.
Quando o Estado laico não ouve as interferências das expressões
socioculturais presentes no seu território, corre o grave risco de engendrar
novas formas de totalitarismo. Uma laicidade antirreligiosa é tão
agressiva quanto as piores teocracias de ontem e de hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário