quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Religião e Laicidade do Estado



Será mesmo verdade que apenas a religião atenta contra a nobre laicidade do Estado?
Os desvios de verbas públicas que assolam os Estados brasileiros atentam contra a laicidade do Estado? Os descasos com os serviços públicos, com educação e saúde, segurança e transporte, ferem a laicidade do Estado? Os ininterruptos mensalões denigrem a laicidade do Estado?
A vergonhosa absolvição de um deputado condenado pelo STF por formação de quadrilha e desvio de dinheiro público, atinge a laicidade do Estado? Os 131 deputados que se esconderam atrás do voto secreto que confirmou a presença deste criminoso na câmera, causou sérios desequilíbrios à laicidade do Estado? Os 108 deputados que sequer estiveram presentes para votar, fortaleceram a laicidade do Estado?
A Igreja católica, protestantes, espíritas, e demais denominações religiosas, sempre estiveram empenhadas em prol do fortalecimento da laicidade do Estado. Não por acaso, grande parte dos projetos sociais no Estado brasileiro, são organizados por tais expressões, capazes de acolher indefesos e marginalizados, que foram esquecidos pela laicidade.
Enquanto hoje falamos sobre as conquistas trabalhistas das empregadas domésticas, não esqueçamos que dom Távora, enquanto arcebispo de Aracaju, durante os anos 60, já tinha elaborado os primeiros círculos que reuniam as empregadas domésticas e as lavadeiras, em busca de condições dignas de trabalho. Como a luta deste homem de fé, feriu a laicidade do Estado?
O Movimento de Educação de Base (MEB) idealizado por dom Távora mostrou com clareza o rosto da Igreja católica comprometida em levar educação através do rádio, aos povoados mais recônditos de Sergipe e de outros estados, sobretudo no Nordeste, Centro-Oeste e Amazônia, onde não são evidentes os resultados da tão badalada laicidade.
Um dos grandes projetos de reforma agrária nas terras sergipanas foi idealizado por dom Luciano, arcebispo emérito de Aracaju. Sem visar enfraquecer a laicidade do Estado, o PROCASE (Promoção do Homem do Campo de Sergipe), ao longo de duas décadas (1968-1988), favoreceu a ascensão social, econômica e cultural de várias pessoas.
Durante os anos da ditadura militar que marcou as páginas do país do carnaval e do futebol, inúmeras pessoas encontraram abrigo nas paróquias da Igreja católica. Muitos leigos e religiosos gritaram no “Diretas Já!”, em prol da democratização do país. E alguns deles, simplesmente desapareceram, vítimas das torturas que caracterizaram o fundamentalismo militar no Brasil. Decididamente, estas pessoas de fé e empenho sociopolítico não ergueram bandeiras contra a laicidade do Estado.
O próprio Estado brasileiro sempre elogiou o trabalho desempenhado pela Pastoral da criança, idealizado por Zilda Arns (1983) e ainda hoje perpetuado por homens e mulheres, inclusive de credos religiosos diferentes, tanto no Brasil quanto em outros países, atingidos pela desnutrição. Como o desprendimento destas pessoas, fere a laicidade do Estado?
Sabemos que em 2005 uma mulher católica, foi assassinada por atuar contra o desmatamento que destrói a Amazônia, enriquecendo poucos fazendeiros e desapropriando milhares de pessoas. Como a luta desta mulher de fé - Dorothy Stang -, feriu a laicidade do Estado?
Uma simples constatação dos fatos mostra que o Estado laico fecha os olhos para problemas como a superlotação dos presídios femininos e masculinos, o descaso nos hospitais e a ausência de políticas públicas que atinjam as pessoas que são vítimas das drogas e do álcool.
Do mesmo modo, uma visita aos hospitais da nossa cidade mostrará a presença de católicos, protestantes, espíritas e irmãos de outras religiões. Todos através de uma palavra amiga que conforte o psíquico e o somático, não estão nestes lugares para ferir a laicidade do Estado. Estes mesmos e outros fiéis que são igualmente cidadãos do Estado visitam os presídios da cidade, lançam sementes de espiritualidade, denunciam abusos e se mobilizam para que estas pessoas sejam reintroduzidas na sociedade, sem qualquer intenção de ferir a laicidade do Estado.
Em vários lugares do nosso país e inclusive perto de nós na cidade de Lagarto, temos o exemplo do Projeto Fazenda Esperança, que abriga pessoas destruídas pelas drogas e esquecidas pelo Estado laico. E ainda recordemos que as paróquias da capital sergipana estão repletas de grupos que reúnem os Alcóolicos Anônimos, que sob os cuidados de bons profissionais, retomam as rédeas da própria vida. Como se feriu a laicidade do Estado?
Honestidade intelectual, visão histórica, domínio no uso dos termos, serão sempre elementos indispensáveis para que a pesquisa acadêmica não adquira tonalidades fundamentalistas. Quando propõem uma antropologia mutilada e unilateral, as variadas ciências também perdem a própria cientificidade. A grandeza da pessoa humana nunca caberá nos bolsos estreitos de quaisquer ciências.
Somente percorrendo a estrada da interdisciplinaridade, numa frutuosa colaboração pluri – científica, nos aproximaremos deste simples, complexo e irredutível ser que chamamos humano. Repleto de racionalidade, indagações, questionamentos e críticas, o homo sapiens sempre esteve empenhado na busca das possíveis relações entre imanência e transcendência.
Quando o Estado laico não ouve as interferências das expressões socioculturais presentes no seu território, corre o grave risco de engendrar novas formas de totalitarismo. Uma laicidade antirreligiosa é tão agressiva quanto as piores teocracias de ontem e de hoje.

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