sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O papel do filósofo na sociedade à luz da “Apologia de Sócrates”



Diante dos primeiros passos da filosofia, nos deparamos com dois grandes nomes da história das ideias: Sócrates e Platão. A relação que os entrelaça é tão estreita, que alguns estudiosos da filosofia clássica, como o italiano Enrico Berti, analisam a possibilidade de Sócrates ter sido apenas o principal personagem da literatura filosófica de Platão.
Recentemente, encontrei uma boa tradução do diálogo platônico, intitulado “Apologia de Sócrates”. O interesse por esta tradução partiu do fato de ter sido prefaciada por Alceu Amoroso Lima, nosso saudoso “Tristão de Ataíde”.
As recomendações feitas para a leitura deste diálogo enfatizam as duas acusações que pesam sobre Sócrates: a primeira ter corrompido a juventude ateniense e a segunda, não ter cultuado os deuses da polis grega.
Amoroso Lima evidencia a infelicidade desta segunda acusação. No seu itinerário filosófico, Sócrates não acentuou questões de índole religiosa. O intuito da filosofia socrática era bem diverso. Se há um método na passagem socrática da filosofia, este consiste na velha e sempre jovem maiêutica. Este sim era o compromisso da filosofia proposta por Sócrates.
Observando o trabalho realizado por sua mãe que era uma parteira, Sócrates emprega esforços para auxiliar não no nascimento de novos seres humanos, mas sim de novas ideias, no surgimento e no aprimoramento do conhecimento.
Num vocabulário filosófico, afirma-se que Sócrates defendeu o chamado inatismo gnosiológico. Dentre as significações deste postulado, encontra-se a ideia de que detemos uma gama infinita de conhecimentos. Noutros termos, para Sócrates e seus seguidores, a psique humana está sempre grávida, prenha de conhecimentos.
Descortina-se o papel do filósofo na perspectiva socrática. O filósofo não impõe de fora para dentro. O filósofo faz emergir aquele conjunto de conhecimentos que caracterizam nossa racionalidade.
Penso a parábola socrática desta forma: por vezes, acumulam-se enormes camadas de poeiras sobre o conhecimento. Estas são provenientes do senso comum, das propostas ideológicas e alienantes que nos distanciam da realidade, nos separam de nós mesmos, nos reduzem a meros expectadores desatentos, impedem que sejamos protagonistas nos processos de construção do conhecimento, para que deleguemos a outros a nossa capacidade de pensar.
E o papel do filósofo na sociedade? Soprar sobre as consciências tomadas por estas poeiras nocivas, causadoras deste pernicioso ilusionismo sociopolítico que nos faz reverenciar propostas de subserviência, de modo que não reagimos nem nos opomos, ao contrário, parabenizamos os que nos escravizam e agradecemos aos nossos algozes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário