Diante
dos primeiros passos da filosofia, nos deparamos com dois grandes nomes da
história das ideias: Sócrates e Platão. A relação que os entrelaça é tão
estreita, que alguns estudiosos da filosofia clássica, como o italiano Enrico
Berti, analisam a possibilidade de Sócrates ter sido apenas o principal
personagem da literatura filosófica de Platão.
Recentemente,
encontrei uma boa tradução do diálogo platônico, intitulado “Apologia de
Sócrates”. O interesse por esta tradução partiu do fato de ter sido prefaciada
por Alceu Amoroso Lima, nosso saudoso “Tristão de Ataíde”.
As
recomendações feitas para a leitura deste diálogo enfatizam as duas acusações
que pesam sobre Sócrates: a primeira ter corrompido a juventude ateniense e a
segunda, não ter cultuado os deuses da polis grega.
Amoroso
Lima evidencia a infelicidade desta segunda acusação. No seu itinerário
filosófico, Sócrates não acentuou questões de índole religiosa. O intuito da
filosofia socrática era bem diverso. Se há um método na passagem socrática da
filosofia, este consiste na velha e sempre jovem maiêutica. Este sim era o
compromisso da filosofia proposta por Sócrates.
Observando
o trabalho realizado por sua mãe que era uma parteira, Sócrates emprega
esforços para auxiliar não no nascimento de novos seres humanos, mas sim de
novas ideias, no surgimento e no aprimoramento do conhecimento.
Num
vocabulário filosófico, afirma-se que Sócrates defendeu o chamado inatismo gnosiológico.
Dentre as significações deste postulado, encontra-se a ideia de que detemos uma
gama infinita de conhecimentos. Noutros termos, para Sócrates e seus
seguidores, a psique humana está sempre grávida, prenha de conhecimentos.
Descortina-se
o papel do filósofo na perspectiva socrática. O filósofo não impõe de fora para
dentro. O filósofo faz emergir aquele conjunto de conhecimentos que caracterizam
nossa racionalidade.
Penso
a parábola socrática desta forma: por vezes, acumulam-se enormes camadas de
poeiras sobre o conhecimento. Estas são provenientes do senso comum, das
propostas ideológicas e alienantes que nos distanciam da realidade, nos separam
de nós mesmos, nos reduzem a meros expectadores desatentos, impedem que sejamos
protagonistas nos processos de construção do conhecimento, para que deleguemos
a outros a nossa capacidade de pensar.
E o
papel do filósofo na sociedade? Soprar sobre as consciências tomadas por estas
poeiras nocivas, causadoras deste pernicioso ilusionismo sociopolítico que nos faz
reverenciar propostas de subserviência, de modo que não reagimos nem nos
opomos, ao contrário, parabenizamos os que nos escravizam e agradecemos aos
nossos algozes.
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