quinta-feira, 28 de abril de 2016

Religião, Pena e Ressocialização.

A árdua tarefa que consiste em criar as necessárias adaptações sociais nem sempre foi exercida pelo direito. Antes mesmo de vê-lo percorrendo com sã autonomia as estradas da história humana, esse papel foi desempenhado pela religião, indispensável para conter as fúrias dos deuses, responsáveis diretos por todos os sucessos e insucessos da humanidade. Com o fortalecimento do monoteísmo e o sucessivo advento do cristianismo, esta função anteriormente compartilhada com a inteira assembleia dos deuses, agora pertence somente ao Deus que se apresenta sem reservas através da instigante mensagem de Cristo.
Retomando alguns aspectos do livro do Gênesis, desponta a narração do fratricídio cometido por Caim. A terra banhada pelo sangue de Abel enfatiza como desde cedo religião e violência se contrastam. Emerge destas linhas bíblicas a identidade de um Deus que se preocupa com a morte dos seus e, portanto exige justiça. Assim a morte de Abel não passa despercebida e as mãos da impunidade não conseguem sufocá-la. É preciso punir Caim? Que tipo de punição o aguarda? Uma vez julgado, Caim terá que vagar numa terra com a qual não possui mais quaisquer laços de amizade e enfrentará as severas hostilidades.
Contudo, Caim é marcado por Deus e mesmo tendo cometido um crime bárbaro, permanece protegido, tutelado por garantias que enfatizam o indiscutível princípio da dignidade da pessoa humana. Nesta leitura do fenômeno jurídico não há espaço para compensar o ceifar de uma vida retirando outra. Esta justiça não se expressa através dos mecanismos da vingança e não se deleita em punir pelo simples prazer da punição. O ato de punir tem finalidades muito específicas, pois distancia para reaproximar, para reinserir com uma maior consciência do seu valioso papel na construção harmônica da convivência social.
A decisão tomada por Deus nas linhas do livro do Gênesis não é expressão de um conformismo com o terrível teatro da violência. Aqui surge o perfil de um Deus entristecido, mas que ao mesmo tempo não cessa de olhar as expressões humanas com uma inesgotável esperança na sua capacidade de mudança, quando são dados instrumentos indispensáveis para tal façanha que implica uma inclusão transformadora. Seguindo uma abordagem religiosa, Deus prevê que esta inclusão se dê através da sua Palavra, fonte de toda lei justa e eficaz. Numa leitura política, cabe ao Estado fornecer os elementos necessários como, a saúde, a educação e o trabalho, de modo que este retorno ao contexto social seja devidamente preparado. Os organismos responsáveis pelo progresso cultural não podem permitir o surgimento de novos processos de animalização da pena, que feririam gravemente o direito e os distanciariam das suas reais finalidades.

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