sexta-feira, 8 de abril de 2016

Religião, Filosofia e Justiça.

Talvez aqui se ultrapasse os limites da religião? Como uma proposta tão introspectiva pode ser problematizada ao lado da filosofia e da justiça? Esta última é discutida nas aulas de direito, nos fóruns, mas aproximá-la do eixo da religião parece um delírio febril que paralisa a razão. Até quando estivermos nos preparando para ultrapassar, significa que as coisas não estão assim tão ruins. Lembremos que ultrapassar é uma das atividades preferidas da filosofia. Não se trata das ultrapassagens realizadas erroneamente nas ruas da cidade. Aqui temos uma ultrapassagem feita com a máxima segurança, pois obedece a necessária mediação do pensar.
Será que Marx estava certo? A religião é o ópio do povo? A religião é o entorpecente que anestesia classes e indivíduos e os torna presas fáceis devoradas por lobos vorazes? A religião condiciona ou emancipa? É via de alienação ou de autonomia? Constata-se que a prospectiva da religião, sua capacidade de mobilização, não se encerra nos templos sagrados. No fluir dos séculos, ideias nasceram e foram fortalecidas, algumas outras banidas, secaram e morreram a partir desta inevitável relação entre a sociedade com suas conquistas e a religião. O compor e o decompor de todas elas ecoou sobre o ser humano saciando sua sede de justiça?
A religião é um instrumento de conformação ou de transformação? Uma das analogias que desafiam a religião, a filosofia e a justiça é sem dúvida a intrigante caverna platônica. A filosofia exerce uma função de caverna? Se permanecer refém dos cursos, títulos e artigos acadêmicos sem qualquer contato com a realidade circunstante, esta filosofia tudo fez, exceto colaborar com a construção do conhecimento. A justiça também está nesta ampla roda crítica? Costumo dizer que não há porta que o direito não consiga abrir, mas este mesmo instrumento fechou muitas outras, negou tantos acessos e compactuou com visões classistas e ideológicas.
E o mesmo se diz acerca do conjunto de manifestações que marcam a religião? Não poucas vezes a religião assumiu as vestes da caverna e preferiu os corredores do poder. Quando a religião tapou os ouvidos para não ouvir o grito e silenciou diante da cruel opressão. Quando a religião rotulou fomentando preconceitos, perseguiu o inimigo, e ferindo-o o matou. Caída em tentação, a religião deixa de ser instrumento eficaz de inclusão e batiza a exclusão. Caída em tentação, a religião deixa de ser via de libertação e transforma-se numa sacra prisão.
Religião, Filosofia e Justiça exercem a valorosa função de ferramentas de resgate? Quando a filosofia ultrapassa as maquiagens culturais e recupera a capacidade de maravilhar-se diante da descoberta do novo na sutileza dos seus fragmentos que reconduzem ao todo. Quando a justiça vai além dos processos intermináveis que se arrastam por décadas sem conclusão e recupera credibilidade mostrando que a verdade nem sempre está ao lado de quem pode pagar mais. Quando a religião ultrapassa os ritualismos e se torna a casa com as portas abertas para todos sem qualquer exceção, mas com uma singular atenção ao faminto, ao estrangeiro, ao nu, ao doente e ao preso. É desta forma que Religião, Filosofia e Justiça colaboram na construção das emancipações ainda aguardadas, no fortalecimento da cidadania, contra a política de desumanização que viola este valor incomensurável que é o ser humano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário