Os
filósofos não são seres iluminados que trazem mensagens divinas com a
finalidade de libertar a humanidade dos seus males. Cada filósofo singularmente
compreendido por mais genial que seja está sempre inserido numa história das
ideias. O que determina a peculiaridade de uma perspectiva é a ênfase dada a
questões que até então não foram vistas com singular especificidade. Há algo
que aguarda o olhar atento de uma leitura capaz de mergulhar nas entrelinhas e
retirar preciosidades ainda intactas.
Coube
a Nietzsche retomar com rigor uma crítica já presente em outros espaços da
filosofia. O próprio Renascimento apresentou-se como ponto contraposto ao
inimigo número um da humanidade, responsável por tantas problemáticas
inenarráveis isto é, o cristianismo. Já Maquiavel o acusava de ter enfraquecido
as cidades e comprometido o desenvolvimento econômico com uma ética da virtude centrada
sobre a compaixão, a acolhida, a piedade, a mansidão. Todos esses valores
abalaram as muralhas do Reino. O filósofo florentino alfinetou o cristianismo,
mas de certo modo aprendeu a conviver com o mesmo. A sua crítica soube calar
diante de um poderio político e econômico que flertava com o religioso. As
imagens do leão e da raposa já mostram que a modernidade filosófica verá no
cristianismo uma companhia perigosa, contudo é preciso rugir no momento certo,
pois assim não se colocará em risco a necessária manutenção do poder.
O
arco destes três séculos que do Renascimento levam ao trabalho elaborado por
Nietzsche, revela grandes nomes que não pouparam duras críticas ao cristianismo
como, por exemplo, Feuerbach, autor da obra A Essência do cristianismo, e
sucessivamente Karl Marx, que do ponto de vista da leitura humanista, recebe
influência feuerbachiana. As promessas do cristianismo são danosas, pois são
fontes de uma perniciosa alienação. O espaço da realização humana é o paraíso
celeste, lugar no qual está a recompensa por tantos sacrifícios feitos e
particularmente pela indispensável renúncia de si. Como se vê, Nietzsche se
encontra numa cultura filosófica já endereçada na critica ao cristianismo.
O
mais sórdido e duradouro plano que alcançou todos os cantos da terra consiste
nesta vingança que anima o cristianismo. Na ótica de Nietzsche o cristianismo é
religião dos fracos, dos humilhados que agora ressentidos serão consolados por
toda eternidade. Nesta, não haverá lugar para os fortes, os vitoriosos e para
aqueles que se realizaram. A estes, que não dominaram as paixões caberá o
castigo eterno descrito com requintes de crueldades. Na eternidade, os escravos
assumirão o senhorio tão sonhado que lhes foi negado e assim mostrarão que todo
o desenvolvimento político, cultural e científico que suscitou tantos esforços
e lutas incontáveis, não passava de pura fantasia ou mera ilusão.
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