Afirmar que a filosofia nasce
política traz consigo algumas consequências, diante das quais perguntaríamos:
Quando a filosofia nasce, o que encontra na cidade? A filosofia se depara com
uma cidade repleta de mitos. Se preferirmos, as narrações que a filosofia
escuta na polis são privas de fundamento, muitas destas serviam para manter
atrelado ao superficial, protelando o esforço racional necessário para a
construção de posições fundamentadas. Em outras palavras, a filosofia assumiu a
tarefa de interrogar o telos da
narração ou ainda, a finalidade daquilo que é narrado.
A narração que a filosofia
encontra visa blindar um ethos para que este não seja questionado e fortalecido
por um sono tranquilo, percorra livremente o caminho das engenharias perversas
que originam os projetos de opressão e dominação. Talvez estaríamos
antropomorfizando a filosofia? Acredito que não. Aqui está a identidade
específica da filosofia. O filósofo não é um lunático. Não se trata de alguém
que pratica filosofia, trancafiado no próprio quarto. As lacunas e as
conquistas de um tempo formam o objeto de estudo com o qual a filosofia
trabalha.
Percorrendo as ruas da cidade, a
filosofia desmistifica a atividade narrativa. A filosofia mostra que a narração
pode perseguir finalidades, que não são mais aquelas que privilegiam os
interesses de um indivíduo, de uma classe ou de um partido, mas sim aquelas que
acentuam o bem comum social. Desta forma, diríamos que se de um lado a narração
ideológica visa encobrir, a narração filosófica visa descobrir. Enquanto a
narração ideológica quer mascarar, a narração filosófica quer desmascarar.
Esta circularidade entre narração
e ethos foi desde cedo utilizada pela filosofia para alcançar as suas
finalidades políticas. A filosofia é uma atividade apaixonada pela cidade. Em
outros termos, a filosofia sempre quis prestar a cidade os seus melhores
serviços, mesmo que não tenham sido aceitos na proporção esperada. Por vezes, a
voz da ideologia parece mais forte, mais convincente e consegue facilmente
seduzir a política, enfraquecendo-a e arrastando-a para fins que contrariam sua
identidade.
A cidade é algo tão precioso que
a filosofia diria que não podemos confiá-la a qualquer um. Para que a cidade
concretize os seus ideais é preciso que seja conduzida por pessoas que foram
preparadas para o bom desempenho desta função primordial para a saúde do corpo
social. Em muitas circunstâncias, a filosofia permanece com este sabor amargo
nos lábios, de ter muito idealizado e quem sabe, pouco realizado. A narração
utilizada pela filosofia assume esta tarefa de tutela da cidade que é o palco
cênico das realizações humanas. Narrações e comportamentos nascem na cidade que
temos, mas também originam a cidade que queremos.
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