sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Filosofia e Cidadania.

Uma das características incisivas da filosofia é a sua identidade reflexiva. Flexionando o pensar, a filosofia se concentra sobre coisas, situações e particularmente sobre pessoas que comumente não são percebidas. Banidas dos cartões postais de uma cidade, que sabe ser mãe protetora de filhos seletos e apenas genitora desatenta de uma prole imensa que possui bem pouco para oferecer. Assim esboçamos um perfil acadêmico que está em sintonia com os reais objetivos da filosofia: construir cidadania.
A reflexão sobre a cidadania sempre encontrou amplo espaço nos corredores da filosofia, sobretudo através da noção de participação. Desde os seus primeiros passos a filosofia quis promover uma maior participação, indagando os seus entraves e apontando novas direções. Aqui não se trataria da participação cara aos olhos do sistema platônico, imbuída de uma metafísica racionalista, concentrada sobre a contemplação das ideias responsáveis pelos pálidos reflexos contingentes dos quais dispomos para a construção do conhecimento.
Comumente há uma dificuldade na abordagem prática da filosofia. Talvez esta dificuldade resida no modo de expô-la, mas acredito que outros elementos estão em jogo quando se fabrica a ideia de uma filosofia etérea. A filosofia não é algo para lunáticos. Aqueles que a apreciam compartilham as mesmas inquietações de toda a raça humana. Os clássicos mostraram um perfil da filosofia debruçado sobre a noção de práxis, da qual decorre uma filosofia chamada de prática. Nas páginas da filosofia de Aristóteles temos um auxílio mais preciso para um esboço eficaz da cidadania.
O céu, as estrelas, as ondas do mar jamais seduziram a filosofia retirando-a dos seus verdadeiros propósitos. É preciso recordar que a filosofia nasce política. O berço sobre o qual se desenvolve é a polis na variedade de suas dinâmicas institucionais. Segundo a teoria do filósofo-rei presente na reflexão de Platão, quanto mais aproximar-se do Bem, o governante concretizá-lo-á na polis através do conjunto de leis. É preciso conhecer o Bem para alcançá-lo? Saber o que é a Justiça para instaurá-la? Conhecer a Verdade para defendê-la? Abordar as coisas como são em si mesmas e não apenas a partir de opiniões oscilantes terá sempre destaque nas searas da filosofia. Uma cultura imediatista que privilegia a dica e sobrepõe o questionamento fará com que alcancemos, instauremos e defendamos quaisquer coisas exceto a cidadania que realmente queremos.
Numa das obras de Aristóteles, Ética a Nicômaco, encontra-se a noção de eudaimonia enquanto propósito da filosofia. Normalmente traduzida como felicidade, a eudaimonia pensada pela filosofia antiga vai além de uma abordagem sentimental, pois implica a realização de aptidões naturais ou adquiridas que desenvolvidas, esboçarão a felicidade buscada pelo cidadão. A filosofia atinge a polis para verificar se, como, quando e em que medida oferece ao cidadão os instrumentos indispensáveis para a sua realização. O maior contributo da filosofia para a política consiste em torná-la um instrumento em prol da cidadania. Ao lado da filosofia, a política se distancia das vestes ideológicas e enxerga aqueles que estão fora. Entre filosofia e política há uma parceria que delineia os percursos de inclusão que são objetos de estudo da cidadania.
Criar políticas geradoras de cidadania, talvez seja um dos grandes desafios das democracias contemporâneas. A filosofia não pode abrir mão da sua tarefa de indagar a relação entre polis e cidadão para que permaneçam interligados por um mútuo cuidado. A polis favoreça o necessário para que o cidadão não mais expectador distante e passivo, participe ativamente das decisões que as norteia. O cidadão por sua vez, seja o custódio da polis, inserindo-se nos espaços conquistados graças ao aprimoramento das próprias aptidões.

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