domingo, 4 de janeiro de 2015

O mal e a história na Filosofia de Agostinho



O grande Agostinho, um dos maiores expoentes da patrística na filosofia medieval, participou por muito tempo de uma corrente de pensamento denominada maniqueísmo. Esta proposta concebia o cosmo a partir dos princípios criadores do bem e do mal. Uma das perguntas que dinamizaram a perspectiva filosófica de Agostinho pode ser formulada da seguinte maneira: “Si Deus est, unde malum?”, isto é, “Se Deus existe, qual a origem do mal?”.
Insatisfeito com as posições do maniqueísmo e impulsionado por uma busca contínua de respostas aos seus questionamentos, Agostinho encontra o cristianismo através das colocações de Ambrósio, responsável pelos cristãos presentes no território de Milão. A partir deste momento, Agostinho concebe a questão acerca do mal noutros termos. Para o pensador africano, o mal não é. Não participa da categoria de ser, muito pelo contrário, o mal implica sempre uma defectus boni, uma privação, uma ausência de ser. Esta carência de ser que determina o mal decorre do fato que os entes são bons, mas não são dotados da bondade absoluta que pertence exclusivamente a Deus.
Quando encaramos o mal que é defectus boni, como defectus voluntatis, ou seja, ausência de vontade, este passa a desenvolver conotações éticas. Em si mesmo o livre arbítrio é sempre algo bom, pois procede de Deus, o que acontece é que por vezes, fazemos um mau uso deste instrumento que acompanha a nossa natureza racional. É possível que não escolhamos o ser e façamos uma opção pela ausência de ser. Aqui encontramos um espaço favorável para evocar a noção grega de paideia, isto é de uma educação que revestida com as características do cristianismo, faça com que escolhamos livremente aquilo que agrada a Deus, Ser em plenitude.
Por conseguinte, tais escolhas formam a história que também ocupou um lugar central no pensamento de Agostinho. O princípio de contingência é o ponto de partida da releitura agostiniana da história. Noutras palavras, a contingencialidade é a base necessária para que haja história. Não narramos à eternidade. Somente partindo de um início e um fim, compreendemos aquele vínculo criatural através do qual a criatura não apenas emana, mas retorna para Deus.
A contingência traz consigo mesma o princípio de sucessão, não apenas no seu caráter externo, mas também assumindo aquele acento interno que nos permite retomar as escolhas, descrevê-las e torná-las história. Para Agostinho, é a interioridade humana que se encarrega de tornar presente o passado e deste modo projetá-lo no futuro. É no interior humano que a história temporal se manifesta como lembrança, atenção e expectativa.
As escolhas de cada sujeito se inserem na história de outras pessoas próximas e distantes, de uma comunidade, de um povo, e continuamente formulam e reformulam a história da humanidade. O presente é o breve instante de som, que se instaura entre os dois grandes silêncios do passado vivido e do futuro esperado, no qual as histórias temporal e pessoal se abrem ao Eterno necessário.

Um comentário:

  1. As escolhas de cada sujeito se inserem na história de outras pessoas próximas e distantes, de uma comunidade, de um povo, e continuamente formulam e reformulam a história da humanidade.

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