sábado, 10 de janeiro de 2015

Deus na Filosofia de Anselmo e Tomás de Aquino



Dentre as questões elaboradas por Tomás de Aquino, intérprete medieval de Aristóteles, a concepção de Deus ocupa lugar privilegiado. A centralidade deste questionamento o leva a postular as provas da existência de Deus, elaboradas ao longo da patrística e da escolástica por outros pensadores como Anselmo d’Aosta. Para este expoente escolástico do séc. XI, além de nos debruçarmos sobre a necessidade da existência de Deus, a tarefa racional responde a pergunta: o que é Deus?
Anselmo desenvolve estas duas concepções nas suas obras Monologion, onde se encontram as quatro provas da existência de Deus, e Proslogion, onde está postulado o argumento ontológico. Na obra Monologion, a existência de Deus é explicitada a partir das noções de: 1) Bondade absoluta; 2) Suma grandeza; 3) Ser supremo e 4) Perfeição absoluta.
Vejamos o procedimento intelectivo adotado por Anselmo d’Aosta: 1) no complexo conjunto das coisas existentes, algumas são boas e este fato deve reconduzi-las a uma Bondade absoluta capaz de derivá-las; 2) as coisas existentes estão todas inseridas numa dimensão quantitativa e qualitativa e deste modo se refazem a uma Grandeza infinita; 3) assim como as coisas existentes não foram geradas do nada, o pensamento busca a existência de algo capaz de originá-las e este algo implica a noção de Ser supremo; 4) o fato de encontrarmos maiores ou menores graus de perfeição nas coisas existentes faz com que o pensamento se aproxime de uma perfeição primeira, originária e absoluta.
Constatado que os argumentos expostos no Monologion precisavam de esclarecimentos, Anselmo elabora outro trabalho que está na sua obra Proslogion. O intuito de Anselmo na elaboração desta última consiste numa síntese que seja compreendida por todos. O Proslogion de Anselmo deixa de lado o tipo de exposição que privilegia elementos a posteriori e se apresenta com a seguinte afirmação: “id quo maius cogitari nequit”, isto é, [Deus] é aquilo do qual nada de maior pode-se pensar.
Desta maneira, Anselmo compreende Deus efetuando a passagem da existência pensada rumo à existência real, o que não se aplica a todo e qualquer tipo de existência pensada, mas apenas ao fato de pensar a existência de Deus. O monge Gaunilon, um dos interlocutores de Anselmo, refutou duramente a elaboração do argumento ontológico.
Na sua obra, “Liber pro insipiente”, Gaunilon apresenta o exemplo acerca da possibilidade de pensar a existência de uma ilha encantada e nem por isso encontrá-la no conjunto das coisas criadas. Anselmo rejeita a posição de Gaunilon, acentuando que o argumento ontológico se aplica somente a existência de Deus, sempre maior que tudo aquilo que a razão humana é capaz de pensar.
Expostas as linhas centrais da concepção de Deus no pensamento de Anselmo, precisamos verificar como este discurso foi retomado no séc. XIII, através da elaboração de Tomás de Aquino, que indaga o conjunto das causas segundas a partir das seguintes observações: 1) Mutação, 2) Eficiência, 3) Contingência, 4) Perfeição e 5) Finalismo.
Vejamos: 1) segundo Tomás de Aquino, a contínua mutação das coisas existentes, implica a presença de algo capaz de causá-las e este algo não deve ter início nem fim, deve ser uma Causa Incausada; 2) como esta causa incide sobre a origem das coisas existentes, possui o caráter de causa eficiente. Ao lado da mutabilidade e da eficiência, Tomás se debruça sobre o fato de que as coisas existem e cessam de existir, isto denota que se trata de realidades contingentes e a existência contingente impõe um caráter necessário sobre a causa eficiente.
Acerca da prova que diz respeito à perfeição, podemos explicitá-la da seguinte forma: como Anselmo, Tomás observa que as coisas possuem um grau de maior ou menor perfeição e isto implica maior ou menor proximidade da causa eficiente que é perfeita. O quinto argumento que Tomás utiliza para explicitar a existência de Deus se refere ao finalismo. Este implica o alcance de uma meta relacionada ao direcionamento existencial das coisas existentes. Nestas, reside um telos que uma vez alcançado realiza a sua existência.
A perspectiva metafísica de Tomás de Aquino compreende ainda as noções de essência e existência como realidades identificadas apenas em Deus, isto faz afirmar que a existência de Deus não precisa fazer alusão a nada de externo, pois está contida naquilo que ele mesmo é, portanto a sua existência é necessária. Tomás com a sua indagação metafísica, insere uma distinção entre essência e existência naquilo que diz respeito aos entes. Na verdade, os entes não são no sentido pleno da expressão. A existência dos entes é provisória, secundária e contingente. Na metafísica de Tomás, os entes participam da plenitude do ser que reside em Deus, ou melhor, que é Deus, autor do ente enquanto actus essendi, artífice de cada ato de ser.
Os autores medievais lançaram sobre os ombros da filosofia a tarefa de salvaguardar a transcendência de Deus na expressividade da sua imanência.

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