Dentre as questões
elaboradas por Tomás de Aquino, intérprete medieval de Aristóteles, a concepção
de Deus ocupa lugar privilegiado. A centralidade deste questionamento o leva a
postular as provas da existência de Deus, elaboradas ao longo da patrística e
da escolástica por outros pensadores como Anselmo d’Aosta. Para este expoente
escolástico do séc. XI, além de nos debruçarmos sobre a necessidade da
existência de Deus, a tarefa racional responde a pergunta: o que é Deus?
Anselmo desenvolve
estas duas concepções nas suas obras Monologion,
onde se encontram as quatro provas da existência de Deus, e Proslogion, onde está postulado o
argumento ontológico. Na obra Monologion,
a existência de Deus é explicitada a partir das noções de: 1) Bondade absoluta;
2) Suma grandeza; 3) Ser supremo e 4) Perfeição absoluta.
Vejamos o procedimento
intelectivo adotado por Anselmo d’Aosta: 1) no complexo conjunto das coisas
existentes, algumas são boas e este fato deve reconduzi-las a uma Bondade
absoluta capaz de derivá-las; 2) as coisas existentes estão todas inseridas
numa dimensão quantitativa e qualitativa e deste modo se refazem a uma Grandeza
infinita; 3) assim como as coisas existentes não foram geradas do nada, o
pensamento busca a existência de algo capaz de originá-las e este algo implica
a noção de Ser supremo; 4) o fato de encontrarmos maiores ou menores graus de
perfeição nas coisas existentes faz com que o pensamento se aproxime de uma
perfeição primeira, originária e absoluta.
Constatado que os
argumentos expostos no Monologion
precisavam de esclarecimentos, Anselmo elabora outro trabalho que está na sua obra
Proslogion. O intuito de Anselmo na
elaboração desta última consiste numa síntese que seja compreendida por todos.
O Proslogion de Anselmo deixa de lado
o tipo de exposição que privilegia elementos a posteriori e se apresenta com a
seguinte afirmação: “id quo maius
cogitari nequit”, isto é, [Deus] é
aquilo do qual nada de maior pode-se pensar.
Desta maneira, Anselmo
compreende Deus efetuando a passagem da existência pensada rumo à existência
real, o que não se aplica a todo e qualquer tipo de existência pensada, mas
apenas ao fato de pensar a existência de Deus. O monge Gaunilon, um dos
interlocutores de Anselmo, refutou duramente a elaboração do argumento
ontológico.
Na sua obra, “Liber pro insipiente”, Gaunilon
apresenta o exemplo acerca da possibilidade de pensar a existência de uma ilha
encantada e nem por isso encontrá-la no conjunto das coisas criadas. Anselmo
rejeita a posição de Gaunilon, acentuando que o argumento ontológico se aplica
somente a existência de Deus, sempre maior que tudo aquilo que a razão humana é
capaz de pensar.
Expostas as linhas
centrais da concepção de Deus no pensamento de Anselmo, precisamos verificar
como este discurso foi retomado no séc. XIII, através da elaboração de Tomás de
Aquino, que indaga o conjunto das causas segundas a partir das seguintes
observações: 1) Mutação, 2) Eficiência, 3) Contingência, 4) Perfeição e 5) Finalismo.
Vejamos: 1) segundo
Tomás de Aquino, a contínua mutação das coisas existentes, implica a presença
de algo capaz de causá-las e este algo não deve ter início nem fim, deve ser
uma Causa Incausada; 2) como esta causa incide sobre a origem das coisas
existentes, possui o caráter de causa eficiente. Ao lado da mutabilidade e da
eficiência, Tomás se debruça sobre o fato de que as coisas existem e cessam de
existir, isto denota que se trata de realidades contingentes e a existência
contingente impõe um caráter necessário sobre a causa eficiente.
Acerca da prova que diz
respeito à perfeição, podemos explicitá-la da seguinte forma: como Anselmo,
Tomás observa que as coisas possuem um grau de maior ou menor perfeição e isto
implica maior ou menor proximidade da causa eficiente que é perfeita. O quinto
argumento que Tomás utiliza para explicitar a existência de Deus se refere ao
finalismo. Este implica o alcance de uma meta relacionada ao direcionamento
existencial das coisas existentes. Nestas, reside um telos que uma vez alcançado realiza a sua existência.
A perspectiva metafísica
de Tomás de Aquino compreende ainda as noções de essência e existência como
realidades identificadas apenas em Deus, isto faz afirmar que a existência de
Deus não precisa fazer alusão a nada de externo, pois está contida naquilo que
ele mesmo é, portanto a sua existência é necessária. Tomás com a sua indagação
metafísica, insere uma distinção entre essência e existência naquilo que diz
respeito aos entes. Na verdade, os entes não são no sentido pleno da expressão. A existência dos entes é
provisória, secundária e contingente. Na metafísica de Tomás, os entes
participam da plenitude do ser que reside em Deus, ou melhor, que é Deus, autor
do ente enquanto actus essendi,
artífice de cada ato de ser.
Os autores medievais
lançaram sobre os ombros da filosofia a tarefa de salvaguardar a transcendência
de Deus na expressividade da sua imanência.
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