segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Rousseau, o Estado e os magistrados.




Nestes dias estava lendo algo sobre Rousseau (1712), este grande pensador genebrino que por vezes é compreendido de forma equivocada. Normalmente adocicamos muito Rousseau e o tornamos numa espécie de algodão doce da filosofia moderna, esquecendo que nele encontramos críticas sutis dirigidas a este mal necessário que é o Estado. Rousseau é o autor de obras memoráveis como Do Contrato social (1762), O Emílio ou Da educação (1762) e o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755), e todas estas obras despertam atenção quanto ao modo de compreender as chamadas relações sociais.
Rousseau é um daqueles autores que como Hobbes (1588), chamamos de contratualistas. São aqueles pensadores que visam explicar a sociedade com as suas variações, a partir da noção de contrato. Tais filósofos estão apoiados sobre algumas noções basilares como, por exemplo, o estado de natureza e a sociedade civil. Entre os autores citados podemos estabelecer uma diferença fundamental. Se de um lado Hobbes enxerga com bons olhos a sociedade civil, Rousseau nutre críticas dirigidas a este inevitável conjunto de relações que formamos e que somos.
Se retirássemos das páginas de Rousseau elementos para a construção de um conceito de Estado, escreveríamos com letras garrafais: O Estado é a legitimação das desigualdades sociais. Nesta escola dos contratualistas, Rousseau não retoma a linguagem apocalíptica utilizada por Hobbes para descrever o Estado, mas com precisão alerta quanto aos verdadeiros fins do Estado que estão distantes das noções de segurança e harmonia sociais acentuadas pelos defensores do idealismo político. Rousseau está dizendo bem o contrário: “Cuidado! O Estado está aqui. Ele vai pegar você”.
É isto que o Estado faz conosco, nos pega, ou melhor, nos retira de um hipotético estado de natureza e nos catapulta para o fantástico mundo da sociedade civil. E a violência traumatizante desta trajetória traz como consequência a perda de nós mesmos, da nossa identidade fundamental. Somos agressivamente despidos das vestes do bom selvagem e passamos a representar um papel social.
A sociedade civil consiste numa refinada tecnologia da agressão, que impõe sobre nós os pesos da propriedade e da reputação de tal forma que não vivemos centrados em nós, mas nos externamos, vivemos fora de nós, deixamos de residir em nós, para morar nas mansões luxuosas ou sob as pontes propostas nas partes deste tremendo teatro social.
O Estado está sempre maquinando como legitimar a velha dialética senhor-escravo, como favorecer a hegemonia do rico em detrimento do pobre. E para agir sorrateiramente o Estado monta o aparato adequado para maquiar com as cores da democracia as mais arraigadas tiranias. Dentre as peças luxuosas deste imenso aparato, Rousseau acentua a presença dos magistrados. Pessoas importantes na difícil tarefa de propiciar controle no corpo social, mas todo cuidado é pouco com estes nobres senhores.
Na sociedade civil, exercem o poder de dizer o que é direito e o que é de direito. Possuem cartas nas mangas e são hábeis na arte do ilusionismo político. Na equânime sociedade civil, os magistrados decidem quanto devem retirar dos cofres públicos. Aqui e acolá estabelecem alguns auxílios com preços módicos, não muito além daqueles recebidos pela grande parte da população. Eles se superam sempre, quando estão entediados aceleram carros requintados e quando abordados deixam de servir as leis, tornam-se seus patrões e sem querer, mostram que de fato Rousseau tinha mesmo muitas razões.

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