Nestes dias estava lendo
algo sobre Rousseau (1712), este grande pensador genebrino que por vezes é
compreendido de forma equivocada. Normalmente adocicamos muito Rousseau e o
tornamos numa espécie de algodão doce da filosofia moderna, esquecendo que nele
encontramos críticas sutis dirigidas a este mal necessário que é o Estado.
Rousseau é o autor de obras memoráveis como Do Contrato social (1762), O Emílio
ou Da educação (1762) e o Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens (1755), e todas estas obras despertam atenção
quanto ao modo de compreender as chamadas relações sociais.
Rousseau é um daqueles
autores que como Hobbes (1588), chamamos de contratualistas. São aqueles
pensadores que visam explicar a sociedade com as suas variações, a partir da
noção de contrato. Tais filósofos estão apoiados sobre algumas noções basilares
como, por exemplo, o estado de natureza e a sociedade civil. Entre os autores
citados podemos estabelecer uma diferença fundamental. Se de um lado Hobbes
enxerga com bons olhos a sociedade civil, Rousseau nutre críticas dirigidas a
este inevitável conjunto de relações que formamos e que somos.
Se retirássemos das páginas
de Rousseau elementos para a construção de um conceito de Estado, escreveríamos
com letras garrafais: O Estado é a legitimação das desigualdades sociais. Nesta
escola dos contratualistas, Rousseau não retoma a linguagem apocalíptica
utilizada por Hobbes para descrever o Estado, mas com precisão alerta quanto
aos verdadeiros fins do Estado que estão distantes das noções de segurança e
harmonia sociais acentuadas pelos defensores do idealismo político. Rousseau
está dizendo bem o contrário: “Cuidado! O Estado está aqui. Ele vai pegar
você”.
É isto que o Estado faz
conosco, nos pega, ou melhor, nos retira de um hipotético estado de natureza e
nos catapulta para o fantástico mundo da sociedade civil. E a violência
traumatizante desta trajetória traz como consequência a perda de nós mesmos, da
nossa identidade fundamental. Somos agressivamente despidos das vestes do bom
selvagem e passamos a representar um papel social.
A sociedade civil consiste
numa refinada tecnologia da agressão, que impõe sobre nós os pesos da
propriedade e da reputação de tal forma que não vivemos centrados em nós, mas
nos externamos, vivemos fora de nós, deixamos de residir em nós, para morar nas
mansões luxuosas ou sob as pontes propostas nas partes deste tremendo teatro
social.
O Estado está sempre
maquinando como legitimar a velha dialética senhor-escravo, como favorecer a
hegemonia do rico em detrimento do pobre. E para agir sorrateiramente o Estado
monta o aparato adequado para maquiar com as cores da democracia as mais
arraigadas tiranias. Dentre as peças luxuosas deste imenso aparato, Rousseau
acentua a presença dos magistrados. Pessoas importantes na difícil tarefa de
propiciar controle no corpo social, mas todo cuidado é pouco com estes nobres
senhores.
Na sociedade civil, exercem
o poder de dizer o que é direito e o que é de direito. Possuem cartas nas
mangas e são hábeis na arte do ilusionismo político. Na equânime sociedade
civil, os magistrados decidem quanto devem retirar dos cofres públicos. Aqui e
acolá estabelecem alguns auxílios com preços módicos, não muito além daqueles recebidos
pela grande parte da população. Eles se superam sempre, quando estão entediados
aceleram carros requintados e quando abordados deixam de servir as leis,
tornam-se seus patrões e sem querer, mostram que de fato Rousseau tinha mesmo
muitas razões.
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