As expressões
utilizadas neste grande palco chamado cotidiano escondem vários significados.
Quando percebemos que temos uma exata compreensão dos fatos, exclamamos: “Tudo
está claro”. E quando os fatos não são facilmente decifráveis, afirmamos: “A
coisa está preta”.
Se levássemos
expressões tão comuns para o universo específico da filosofia, diríamos que a
filosofia não tem a mínima pretensão de ser clara. A filosofia foge de uma
clareza que normalmente é sinônimo de conformismo, de uma aceitação ingênua e
acrítica de padrões culturais impostos pelos detentores do saber, que ditam o
que, como, quando e porque devemos conhecer os objetos expostos sobre as atuais
prateleiras culturais. Esta clareza é verdadeira escuridão.
Penso que a filosofia
tem um bronzeamento natural, pois está sempre exposta ao tórrido calor da
história com os seus altos e baixos, evoluções e involuções. A cor mais
apropriada para a filosofia é a preta e se a personalizássemos, diríamos que a
filosofia é negra, enquanto sinônimo de oposição e resistência, crítica e luta
contra os algozes que democraticamente engendram processos sorrateiros de novas
escravidões que violentam brancos, negros e estrangeiros trancafiados nas
senzalas urbanas da atual sociedade. A alma negra da filosofia não aceita
aquilo que apontam como claro, mas pelo contrário se apresenta como construtora
de clareza.
O que aconteceu no
Brasil com os negros vai muito além dos açoites, das atrocidades e castigos
físicos. Os negros foram lesados nos seus direitos fundamentais, vítimas de um
aparato jurídico que sequer os considerava pessoas. Os negros eram coisas e
como tais, vendidos, trocados e traficados.
O Brasil contemporâneo
tem uma grande dívida com os negros, que jamais será quitada inteiramente. As
políticas de inclusão social não são um favor, mas a obrigação moral e política
de um país que lesou os negros de moradia, saúde e educação, que os distanciou
das sonhadas condições iguais para todos e os escondeu debaixo dos tapetes
sociais de uma burguesia que sempre considerou mais que natural uma hegemonia
dos dominantes sobre o sofrimento dos dominados.
Certa vez, conversando
sobre filosofia com os alunos numa faculdade da capital sergipana, utilizei uma
metáfora escravocrata para explicitar a identidade da filosofia. Os negros
foram destruídos psicologicamente, privados dos seus afetos, furtados dos seus
sonhos. Após os variados tormentos causados pela escravidão, os negros enfim
foram presenteados com a esperada libertação.
O que farão após anos e
anos trancafiados numa senzala? O que farão as negras exploradas sexualmente,
violentadas pelos senhores de engenho? Para onde irão aqueles que quando muito
eram admitidos na cozinha para comer as sobras dos patrões?
Assim concebo a
filosofia. Ela quer mesmo libertar. E até pode fazê-lo, mas jamais dirá para
onde ir. A filosofia dará os instrumentos necessários para o percurso que
faremos, mas não privará da possibilidade de errar. E o que ensinará? A
garimpar enormes quantidades de erros, na esperança de encontrar estas valiosas
pedras que receberam dos séculos o nome de verdade e liberdade.