Uma releitura do cenário
filosófico do séc. XIX levará necessariamente a um encontro com Marx, para
segui-lo, contradizê-lo ou aceitá-lo apenas parcialmente. Não é possível passar
pela filosofia de Marx sem ouvir suas críticas e reivindicações que exprimem a
necessidade de transformações que foram teorizadas pela religião, pela
política, pelo direito e por tantos outros ramos do saber, mas não foram
alcançadas nas proporções esperadas. Até hoje não há um modelo de uma filosofia
tão comprometida com o seu tempo como esta descrita por Marx.
Se houve uma relação intelectiva
estreita entre os clássicos Platão e Aristóteles, a releitura de Marx é feita a
partir da crítica contra a filosofia de Hegel, acusada de colocar o idealismo
ao serviço de um Estado hábil na geração de desigualdades. Enquanto Marx desenvolvia
sua proposta filosófica, o idealismo hegeliano era uma espécie de filosofia
oficial do Estado, o que por si só já é algo a ser evitado. É preferível que a
filosofia permaneça nômade, uma reflexão errante que não se hospeda comodamente
nos corredores do poder, como outrora feito pelos sofistas, responsáveis pela
elaboração das premissas que criaram as conclusões esperadas pela classe
dominante.
Deste modo afirma-se que se de um
lado a filosofia hegeliana visava garantir uma manutenção – e talvez tenha até
deixado de ser uma filosofia propriamente dita –, de outro, a filosofia
marxista buscava instaurar uma transformação, capaz de enxergar o fenômeno
humano não só a partir dos conhecidos processos de abstração que separaram
real/ideal, matéria/forma, mas tanto no seu conjunto, quanto no primado
exercido pelas condições reais e materiais. Vê-se a crítica marxista numa das
suas expressões presentes na obra, A
Ideologia alemã: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes
maneiras; o que importa é transformá-lo”.
O movimento de ideias através do
qual a filosofia se expressa, evidencia temáticas compartilhadas por vários
pensadores. Isto mesmo acontece na modernidade filosófica com os elementos
presentes nas abordagens de Hegel e Marx. A alienação, lida como um processo
interno visto só pelas câmeras da consciência perde vigor subjetivista e
confronta-se com o materialismo de Marx. Portanto, além de implicar o
distanciamento de si, a alienação aponta o resultado específico do capitalismo,
que no ápice da expansão comercial, logo passou a vender, comprar e descartar
seres humanos, agora chamados de mercadorias humanas. (MASCARO, 2014, p.
281-283)
A própria noção de uma declaração
dos direitos do homem já presente na França do séc. XVIII recebe a crítica do
materialismo de Marx. Das linhas da filosofia marxista ouve-se que não só este
homem evidenciado não passa de uma idealização priva de impacto concreto, mas
os parâmetros que delineiam o perfil de homem são os da classe dominante, do
humano que explora outro humano, reduzindo-o a uma das mercadorias
comercializadas em suas fábricas. Lendo-nos a partir da produção, o capitalismo
reduziu-nos a mera força-trabalho impedida de obter o produto fabricado.
Pacificados pelo direito, os trabalhadores assistem a expansão do capital da
classe dominante e se contentam com migalhas que caem dos extenuantes processos
de produção. (MASCARO, 2014, p. 293-302)
É com este enfoque de um
instrumento de exploração que Marx se aproxima da questão acerca do direito. O
direito é produzido pela classe dominante. Sua finalidade não é mais aquela
grifada pelos clássicos: a felicidade do ser humano, entendida como o
desenvolvimento das suas potencialidades. Pelo contrário, o direito é classista
e enquanto tal legitima o sufocamento dos trabalhadores, arrastados pelas
grossas cordas dos impostos e da antilógica do mercado. Não é tarefa do direito
promover equidade, mas blindar as desigualdades que setorizam a sociedade. A
partir da leitura que emerge da filosofia marxista afirma-se que o direito tudo
busca, exceto uma sociedade justa.
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