Certa vez com alguns alunos,
assistimos um documentário que trazia um episódio que marcou a região norte do
país. Em 2006, no município de Óbidos, Estado do Pará, o adolescente Fabio
Gualberto Pereira, de 16 anos, assassinou um membro de uma distinta família
paraense. Por outros delitos cometidos, Fabio era visto como um problema
naquela sociedade. Um Estado descumpridor dos deveres criou o problema Fábio. A
questão é: Como solucioná-lo ou como eliminá-lo? Oito membros desta família
capturaram o adolescente e o dilaceraram com tiros e facadas. O júri foi
composto exclusivamente por pessoas do local que tinham suas vidas ligadas aos
familiares, considerando o poderio econômico e sociopolítico que detinham. A
decisão judicial absolveu os oito réus. Eis a questão: A decisão judicial foi
justa? A justiça é só esta que é emitida pelos juízes ou também há algo além
desta?
Vejamos o impacto da questão numa
outra problematização: Em 2014, foi concedido aos juízes federais que não
possuem residência nas localidades de trabalho, um auxílio moradia de quatro
mil reais. No dia 08 de março de 2016, enquanto comemorávamos o dia
internacional da mulher, a magistratura sergipana decidiu que as famílias
abrigadas na Ponta da Asa, no bairro Santa Maria, não receberão auxílio
moradia. Se colocássemos as questões nas mãos dos clássicos, diríamos: Qual das
decisões provocou maior harmonia entre as classes sociais? Qual das decisões suscitou
maiores equilíbrios sociais?
Houve sempre uma preocupação da
parte dos filósofos clássicos para que a justiça não permanecesse circunscrita
à decisão judicial. Jusnaturalistas e positivistas giram em torno desta problematização:
A justiça possui uma identidade própria? É a justiça que se aproxima daqueles
que a buscam? A justiça é apenas um produto cultural? A justiça se movimenta
apenas numa esfera convencional? Os filósofos clássicos quiseram evitar que se
equiparasse justiça e arbitrariedade. No diálogo “As Leis”, Platão aponta a
função social das leis: proteger contra as manobras dos interesses pessoais. No
capítulo V da Ética a Nicômaco, Aristóteles sinaliza a função social dos
juízes: proteger a justiça fazendo com que gere equidade (cf. EN V, 6-7).
Na jusfilosofia medieval, Tomás
de Aquino dedica um espaço aos juízes, apontados por Aristóteles como uma
personificação da justiça. Cabe a eles a decisão acerca da justiça, mas não são
sinônimos desta última. Os clamores populares não são a bússola dos juízes, mas
sim a Constituição. Quando os responsáveis pela aplicação da justiça se pautam
pelos clamores populares, é necessário averiguar se são assim tão populares e preparar-se,
pois mudam com o vento. E sendo os juízes suscetíveis como os demais mortais,
Tomás de Aquino os identificou como servidores das leis e não como
proprietários que delas se utilizam guiados pelo bel prazer ou pelos jogos midiáticos
que apresentaram o golpe de 64 com o belo eufemismo de política de Estado.
Quais os valores transmitidos pelos meios de comunicação social? Eles fazem
enxergar melhor ou criam miragens que distanciam a visão do todo?
No Brasil do regime ditatorial
tivemos inúmeras conduções coercitivas de homens e mulheres que jamais
retornaram aos seus lares. Qual era o tipo de quadro social? A filosofia,
retirada agressivamente das salas de aula, teve que aguardar até o ano de 2006
para encontrar e dialogar com os jovens brasileiros. Os estudiosos e artistas
que contrariaram o regime, convidados a deixar o país. Os trabalhos
desencadeados pela Comissão Nacional da Verdade evidenciam que não se tratava
de um país melhor (cf. Lei nº 12.528/2011). Estávamos diante de um Brasil
amordaçado e torturado nos porões da impunidade. O Brasil contemporâneo vive um
regime midiático? Interesses econômicos e partidários parcializam a atividade
jurídica? Os canais televisivos e as revistas de circulação nacional determinam
o que é, quando e por onde deve passar a justiça?
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