No dia dezoito de maio, recorda-se a
jornada nacional de combate ao abuso sexual. Este dia enfatiza a memória de uma
menina brasileira chamada Araceli, sequestrada, espancada e violentada na
capital do Espírito Santo, tendo seus sonhos destruídos sob o peso da
barbaridade humana. Esta menina de apenas oito anos, filha de um eletricista
como outros que revisaram as instalações elétricas de tantos lares, foi
brutalmente assassinada por dois homens de influentes famílias capixabas,
capazes de ludibriar o olhar da justiça que jamais os culpou por tamanho crime
ocorrido em 1973.
Na sua etimologia, o nome Araceli
significa “altar do céu”, mas o que se celebrou sobre o corpo desta menina foi
detestável aos olhos de Deus, foi um culto aos sentimentos mais desprezíveis
que povoam as trevas desta humanidade. É normal que perguntemos nestes momentos
de dor: Onde Deus estava? O que Deus fez por Araceli?
É preciso reconhecer que não temos todas
as respostas guardadas nos bolsos, mas penso que uma boa resposta diria que
Deus sofreu todas aquelas dores, o medo de um sequestro, as doses de drogas
ingeridas, a falta de alimentação que os enfraqueceram, as mordidas que
arrancaram os seios e outras partes íntimas, o abuso sexual, as dores causadas
pelo ácido derramado sobre os corpos, a morte violenta e prematura de uma
menina que transcorria o tempo entre a escola, as bonecas e os afetos dos pais.
Os corpos de Deus e da menina Araceli
foram jogados numa montanha de lixo hospitalar e por conta da justiça foram
sepultados somente três anos depois, como se fizesse alusão aos três dias nos
quais o Filho de Deus esteve preso aos laços da morte. (cf. Lucas 18,33).
Acredito que Deus continua perguntando a
justiça brasileira, as religiões presentes no território capixaba, aos amigos
que com Araceli frequentavam aquele mesmo Colégio São Pedro: Onde está Araceli?
Deus sabe onde está Araceli, mas quer ouvir a resposta, quer saber como nos
enxergamos, se crescemos humanamente, comprometidos com o outro, particularmente
na defesa do mais vulnerável. É assim que Deus continua questionando a
sociedade, sobretudo quando esconde mazelas sociais sob os suntuosos tapetes da
indiferença: “Onde está o seu irmão Abel? Caim respondeu: Não sei. Por acaso eu
sou o guarda do meu irmão? Deus disse: O que foi que você fez? Ouço o sangue do
seu irmão, clamando da terra para mim” (cf. Gênesis 4,9-10).
Na Escritura, há um episódio bastante
conhecido, no qual os discípulos tomam medidas para que as crianças não se
aproximem de Jesus e que pode responder a pergunta “Onde está Araceli?”. Vejamos
como Jesus se dirigiu aos seus discípulos: “Deixem as crianças vir a mim. Não
lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas” (cf. Lucas 18,16).
A menina Araceli não cresceu com os
coetâneos, não se realizou profissionalmente, não construiu família, não deu
netos aos seus pais. Hoje Araceli seria uma bela jovem de cinquenta anos, teria
sepultado o pai falecido em 2004 e estaria cuidando da mãe, preocupada com a
casa, com o marido, com os filhos e netos, visto que a violência humana a
impediu, ela está agora neste Reino que é o Coração de Deus.
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