sábado, 7 de março de 2015

Filosofia, Cultura e Mito.



A filosofia traz consigo uma leitura crítica que atravessa os elementos culturais que formam um determinado momento histórico. A filosofia dialoga com a cultura de um tempo e os laços que as unem são tão estreitos que se trata de companheiras inseparáveis. Até mesmo quando a cultura de um tempo é hostil aos questionamentos da filosofia. Esta permanece sempre inquieta. E já que inquietar é o esporte preferido da filosofia, o diálogo instaurado com a cultura visa inquietá-la, para encontrar aquilo que nela é benéfico e aquilo que é nocivo ao ser humano. É papel social da filosofia, indagar aquilo que está sendo cultivado num dado momento histórico.
É por conta desta leitura que a filosofia nasce política. A filosofia surge assumindo um compromisso com a cidade, não para torná-la o paraíso terrestre teorizado por Marx. Existem problemáticas que não dependem apenas da reflexão para que encontrem solução. A filosofia se debruça sobre a cidade para auxiliá-la, para torná-la justa, de modo que nela realizemos a meta comum aos seres humanos de quaisquer períodos históricos, bem além do gênero e das classes sociais ocupadas. Esta meta humana consiste na felicidade, a famosa eudaimonia dos filósofos gregos.
A cidade sobre a qual a filosofia concentrou os seus questionamentos era repleta de deuses e logo desconfiou de todos eles. A filosofia constatou que os gregos possuíam deuses para cada coisa e que todos eles estavam prontos para atender e realizar os desejos humanos e também para puni-los se necessário, sobretudo quando a hegemonia da classe dominante fosse ameaçada pelos ditos rebeldes, buscando justiça. Vigiar e punir sempre foram prerrogativas do controle divino sobre os seres humanos. Os deuses sempre correram pelos corredores da política. Não só a filosofia, mas também toda religião é política.
Os deuses habitaram os mitos gregos que são relidos num espaço chamado de mitologia isto é, estudo dos mitos. Normalmente o termo mito possui uma conotação negativa e deve mesmo possuí-la quando procura manter um status quo, quando reforça a supremacia de uns sobre outros. Com estes objetivos o mito deixa-se contaminar pelas degenerações ideológicas. Quando visitado pela filosofia, é transformado nas suas intenções: o mito deixa de aprisionar e passa a libertar.
Dentre os filósofos clássicos que mais reorientaram os objetivos do mito, destaca-se o trabalho de Platão. São seus os conhecidos mitos de Er, o Anel de Giges e a Caverna. Todos temperados com os elementos da cultura do seu tempo dialogaram com as reais necessidades de um período histórico. O mito platônico é dotado de um caráter atemporal. Do mito se extrai uma provocação válida para cada tempo. Quando o lemos, parece que foi escrito para o hoje e por vezes, parece que foi escrito para nós. O mito não é verdadeiro, mas é belo. O sistema é verdadeiro, porém é árido. Ambos são igualmente necessários para uma prazerosa e correta apresentação da filosofia, capaz de questionar o momento histórico sobre o qual se desenvolve, evidenciando os avanços e as lacunas que tocam este fantástico ser que chamamos humano.

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