A
filosofia traz consigo uma leitura crítica que atravessa os elementos culturais
que formam um determinado momento histórico. A filosofia dialoga com a cultura
de um tempo e os laços que as unem são tão estreitos que se trata de
companheiras inseparáveis. Até mesmo quando a cultura de um tempo é hostil aos
questionamentos da filosofia. Esta permanece sempre inquieta. E já que
inquietar é o esporte preferido da filosofia, o diálogo instaurado com a
cultura visa inquietá-la, para encontrar aquilo que nela é benéfico e aquilo
que é nocivo ao ser humano. É papel social da filosofia, indagar aquilo que
está sendo cultivado num dado momento histórico.
É
por conta desta leitura que a filosofia nasce política. A filosofia surge
assumindo um compromisso com a cidade, não para torná-la o paraíso terrestre
teorizado por Marx. Existem problemáticas que não dependem apenas da reflexão
para que encontrem solução. A filosofia se debruça sobre a cidade para
auxiliá-la, para torná-la justa, de modo que nela realizemos a meta comum aos
seres humanos de quaisquer períodos históricos, bem além do gênero e das
classes sociais ocupadas. Esta meta humana consiste na felicidade, a famosa eudaimonia dos filósofos gregos.
A
cidade sobre a qual a filosofia concentrou os seus questionamentos era repleta
de deuses e logo desconfiou de todos eles. A filosofia constatou que os gregos
possuíam deuses para cada coisa e que todos eles estavam prontos para atender e
realizar os desejos humanos e também para puni-los se necessário, sobretudo
quando a hegemonia da classe dominante fosse ameaçada pelos ditos rebeldes,
buscando justiça. Vigiar e punir sempre foram prerrogativas do controle divino
sobre os seres humanos. Os deuses sempre correram pelos corredores da política.
Não só a filosofia, mas também toda religião é política.
Os
deuses habitaram os mitos gregos que são relidos num espaço chamado de
mitologia isto é, estudo dos mitos. Normalmente o termo mito possui uma
conotação negativa e deve mesmo possuí-la quando procura manter um status quo, quando reforça a supremacia
de uns sobre outros. Com estes objetivos o mito deixa-se contaminar pelas
degenerações ideológicas. Quando visitado pela filosofia, é transformado nas
suas intenções: o mito deixa de aprisionar e passa a libertar.
Dentre
os filósofos clássicos que mais reorientaram os objetivos do mito, destaca-se o
trabalho de Platão. São seus os conhecidos mitos de Er, o Anel de Giges e a
Caverna. Todos temperados com os elementos da cultura do seu tempo dialogaram
com as reais necessidades de um período histórico. O mito platônico é dotado de
um caráter atemporal. Do mito se extrai uma provocação válida para cada tempo.
Quando o lemos, parece que foi escrito para o hoje e por vezes, parece que foi
escrito para nós. O mito não é verdadeiro, mas é belo. O sistema é verdadeiro,
porém é árido. Ambos são igualmente necessários para uma prazerosa e correta
apresentação da filosofia, capaz de questionar o momento histórico sobre o qual
se desenvolve, evidenciando os avanços e as lacunas que tocam este fantástico
ser que chamamos humano.
legal
ResponderExcluir