Muitas vezes no vai e vem da sala de aula e
mesmo em seminários realizados nas escolas de ensino superior, ouvimos a
seguinte expressão: “Isto é um dogma”. Dentre as ferramentas que a constroem
encontramos de um lado uma crítica velada ao catolicismo, de outro, um grave
equívoco no emprego do termo. Normalmente os que o deterioram, o confundem com
uma espécie de imposição, um comportamento rígido da inquestionável autoridade
religiosa diante do qual os fiéis súditos devem apenas calar.
O itinerário do dogma é muito diferente. Ao
acordar o pontífice não decide decretar: “O azul é vermelho”. O correto uso do
dogma implica compreender que o conteúdo do mesmo chega ao pontífice conduzido
pelas mãos do povo. Pode até parecer estranho aos olhos e ouvidos, mas é o que
acontece com o dogma. O dogma nasce no meio do povo.
Há um conceito de fé elaborado por uma
mística francesa que nos diz: “A fé é o face a face nas trevas”. Com esta
expressão Elisabete da Trindade ajuda a compreender que precisamos de luzes
para as difíceis travessias da caminhada humana. O dogma é uma luz irradiada
num dado momento da história de um povo que se apoia sobre esta e a compartilha
com os companheiros de além-mar.
O povo tem um jeito próprio de se aproximar
desta luz e comunicando-a aos seus sacerdotes, inicia-se um longo e necessário
trabalho para que atinja um número maior de pessoas, ou melhor, tendo sido
refletida, fundamentada e meditada não será mais luz de um povo circunscrito,
mas pertencerá ao corpo teórico-religioso de todo catolicismo.
Se usássemos uma terminologia técnica
diríamos que o dogma parte do sensus
fidei que indica o sentido da fé vivo na alma e no coração de um povo.
Sentimento e racionalidade ou se preferirmos, sentimento e teorização se fundem
na composição do papel do dogma no catolicismo: longe de inibir e sufocar o
dogma tem a função de tutelar e guiar.
A filosofia não é contrária ao dogma
utilizado pelo catolicismo, pois este resulta do diálogo, do contato direto com
uma cultura local que será revestida de caráter universal e norteará o ethos
religioso de toda expressão da fé católica. Separa-se a filosofia daquele tipo
de dogma que se reveste de ideologias econômicas, políticas, educativas,
religiosas, científicas e outras que privas de fundamento apoiam-se sobre
manobras perniciosas que fortalecem a hegemonia de interesses particulares
sobre as reais necessidades do todo, ou melhor, do autêntico sentido religioso.
Enquanto o dogma social nasce quase sempre de
um princípio ideológico, o dogma católico deriva de um percurso filosófico.
Dentre os vários hobbies responsáveis pela sua boa forma, a filosofia se alegra
ao percorrer as suntuosas e as desprovidas ruas de uma cultura, indagando os
elementos encontrados e questionando-se acerca da origem destes mesmos.
A filosofia e o dogma católico compartilham
este hobby salutar. Dialogando com as características basilares do senso comum
de uma cultura, preparam-se para trabalhá-las e aperfeiçoá-las de modo que
devidamente integradas, residam de modo harmônico no fenômeno humano,
essencialmente crítico, cultural e religioso.
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