segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A filosofia diante do fenômeno escravocrata no Brasil colonial



Sabemos que Terra de Santa Cruz, foi um dos primeiros nomes dados pelos portugueses ao nosso querido Brasil. De fato não há um nome mais apropriado. Ao longo da história da humanidade a Cruz sempre foi sinônimo de represália, de perseguição e dizimação. Isto aconteceu inicialmente com os índios e em seguida com os negros arrancados dos seus lares para o trabalho escravo que enriqueceu a primeira nobreza brasileira a partir do século XVI.
Permitam-me a grosseria da analogia, mas como hoje o camaro amarelo é apresentado como objeto de ostentação, no Brasil colonial o negro escravo desempenhou esta função. Da mesma forma que corremos atrás do último aparelho celular, os senhores nobres visavam sempre um número maior de negros escravos. Quanto mais escravos, maior o trabalho braçal gratuito à disposição nas enormes fazendas que legitimaram as desigualdades sociais ou se preferirmos, maior a concentração de renda nas mãos de poucos contemplados pela ascensão sociopolítica.
Não sei se enfatizamos o bastante este aspecto da história do país do carnaval e do futebol, mas repensar os primeiros passos do Brasil é identificá-lo com uma história marcada pela extrema violência contra os negros rebeldes que não aceitavam passivamente o jugo da escravidão. Na interminável luta em busca da liberdade, os negros escravizados desenvolveram aquilo que hoje chamaríamos de hora-extra. Nos poucos momentos de pausa os negros reivindicavam pequenos espaços de terra nas imensas fazendas dos senhores com a intenção de cultivar algo de próprio, vendê-lo por um preço muito abaixo do mercado para no decorrer de anos terem a possibilidade de comprar a própria liberdade.
No Brasil colonial a liberdade não era um direito inalienável, pertencente de forma intrínseca ao homem e a mulher pelo fato de serem humanos. A liberdade talvez como hoje, era um luxo reservado a poucos. Durante a leitura de um belíssimo trabalho realizado pela UFBA (Sharyse Amaral), encontrei um relato atribuído aos negros escravizados na senzala de Santana de Ilhéus. Trata-se da apresentação de um pacto entre senhores e escravos no qual estes apresentam as condições para cessar as agressões que atingiam feitores, senhores e respectivos familiares.
Em síntese, os negros queriam usufruir do próprio trabalho, chamá-lo de meu e neste encontrar condições para o desenvolvimento das próprias habilidades. Dentre os itens que despertam atenção neste relato, ressaltaria a data de elaboração que é repleta de significado para a Europa e para o mundo. Em 1789, enquanto o velho continente respirava os ares da Revolução francesa, aqui torturávamos pessoas pelo fato de terem outra cor. Enquanto a Europa assistia a queda da monarquia, a ascensão da democracia, a discussão acerca da separação dos poderes iniciada por Montesquieu no século XVII, aqui desapropriávamos pessoas dos seus direitos fundamentais, tornando-nos um dos berços históricos do ódio racial.
Onde estava e o que fazia a filosofia enquanto os negros eram escravizados na Terra de Santa Cruz? O que tínhamos de filosófico procedia de Portugal. Num país acostumado a considerar o saber como privilégio de poucos, a filosofia foi trazida pelos jesuítas leitores de Tomás de Aquino, que preocupados com a fiel apresentação do frade dominicano aos filhos dos nobres senhores, talvez esqueceram de encontrar nesta construção filosófica os instrumentos necessários para a construção dos alicerces da libertação.

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