sábado, 20 de dezembro de 2014

A Filosofia e as crianças escravizadas no Brasil imperial



Passeando com as ideias, imaginamos que Filosofia e História são duas jovens obstinadas, partidárias daquela resistência que se fortalece diante de grandes dificuldades e assim não desistem de impedir que as poeiras sejam escondidas sob os luxuosos tapetes da indiferença social. O que aconteceu durante os anos sombrios da escravidão negreira? Como se comportaram o Estado e a Igreja? Estas são algumas das perguntas que estas jovens acima citadas não cessam de dirigir a si mesmas e também a nós seus contemporâneos.
Quais as realidades socioeconômicas que se beneficiaram através do fenômeno escravocrata e quais se negaram a compactuar com tamanha crueldade que marcou o físico e a dignidade de milhares de negros? O que pensavam os juristas brasileiros formados nas universidades europeias, quando com leis injustas transformaram o ventre materno na primeira senzala de gerações de negros? Quantas crianças que nasceram privas de sonhos? Desde cedo lutaram por algo que uma cultura nefasta sempre insistiu em retirar-lhes: a liberdade. A exploração de mão de obra infantil é um vício bem antigo neste querido Brasil.
Dos passos aqui realizados que refletiram acerca da horrenda questão escravocrata, é necessário ressaltar a importância do deputado cearense, Silva Guimarães que em 1850 apresentou um projeto de lei para que os filhos de negros finalmente nascessem livres. Quinze anos mais tarde, o senador Silveira da Mota defendeu projetos que previam: a proibição da venda de escravos em lugares públicos; as crianças menores de 15 anos não seriam separadas dos pais; o governo, os conventos e os estrangeiros residentes não possuiriam escravos e ainda a extinção dos inúmeros castigos físicos que pesavam sobre os negros.
A tropicalidade que nos caracteriza fez da lentidão nossa inseparável companheira em muitas questões sociopolíticas como a que engloba o fenômeno escravocrata durante os anos do Brasil imperial (1822-1889). Muitos países europeus guiados pelo progresso cultural militaram ao lado dos movimentos abolicionistas que culminaram na libertação formal dos negros. Até mesmo nos países vizinhos deste “gigante pela própria natureza” os passos a favor da abolição foram mais rápidos e incisivos. Diríamos que havia uma atmosfera internacional que provocava a consciência cultural brasileira, denunciava os abusos e os crimes humanitários e exigia soluções imediatas.
A envolvente leitura do pronunciamento realizado em 1971 por Edison Carneiro no Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO/UFBA), marcando o centenário da honrosa Lei do Ventre Livre mostra o compromisso de muitos intelectuais preocupados com a inserção das crianças escravizadas na complexa sociedade brasileira. Libertá-las juntamente com os seus pais era a meta visada pelos abolicionistas que se perguntavam acerca da qualidade da cidadania que os filhos escravizados exerceriam na sociedade dos escravizadores.
O que fez a filosofia e sua leitura personalista por estas crianças? Propiciou os questionamentos que enfraqueceram as ideologias que as mantiveram prisioneiras por longos anos, vitimadas por uma cor transformada em sinônimo de dor. A filosofia com o seu personalismo criticou o aparato jurídico do Brasil imperial quando este fortaleceu mecanismos que legitimaram e blindaram a história da escravidão reservando a liberdade para alguns poucos e negando-a para a grande parte da população.

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