Passeando com as
ideias, imaginamos que Filosofia e História são duas jovens obstinadas,
partidárias daquela resistência que se fortalece diante de grandes dificuldades
e assim não desistem de impedir que as poeiras sejam escondidas sob os luxuosos
tapetes da indiferença social. O que aconteceu durante os anos sombrios da
escravidão negreira? Como se comportaram o Estado e a Igreja? Estas são algumas
das perguntas que estas jovens acima citadas não cessam de dirigir a si mesmas
e também a nós seus contemporâneos.
Quais as realidades
socioeconômicas que se beneficiaram através do fenômeno escravocrata e quais se
negaram a compactuar com tamanha crueldade que marcou o físico e a dignidade de
milhares de negros? O que pensavam os juristas brasileiros formados nas
universidades europeias, quando com leis injustas transformaram o ventre
materno na primeira senzala de gerações de negros? Quantas crianças que
nasceram privas de sonhos? Desde cedo lutaram por algo que uma cultura nefasta
sempre insistiu em retirar-lhes: a liberdade. A exploração de mão de obra
infantil é um vício bem antigo neste querido Brasil.
Dos passos aqui
realizados que refletiram acerca da horrenda questão escravocrata, é necessário
ressaltar a importância do deputado cearense, Silva Guimarães que em 1850
apresentou um projeto de lei para que os filhos de negros finalmente nascessem
livres. Quinze anos mais tarde, o senador Silveira da Mota defendeu projetos
que previam: a proibição da venda de escravos em lugares públicos; as crianças
menores de 15 anos não seriam separadas dos pais; o governo, os conventos e os
estrangeiros residentes não possuiriam escravos e ainda a extinção dos inúmeros
castigos físicos que pesavam sobre os negros.
A tropicalidade que nos
caracteriza fez da lentidão nossa inseparável companheira em muitas questões
sociopolíticas como a que engloba o fenômeno escravocrata durante os anos do
Brasil imperial (1822-1889). Muitos países europeus guiados pelo progresso cultural
militaram ao lado dos movimentos abolicionistas que culminaram na libertação
formal dos negros. Até mesmo nos países vizinhos deste “gigante pela própria
natureza” os passos a favor da abolição foram mais rápidos e incisivos.
Diríamos que havia uma atmosfera internacional que provocava a consciência
cultural brasileira, denunciava os abusos e os crimes humanitários e exigia
soluções imediatas.
A envolvente leitura do
pronunciamento realizado em 1971 por Edison Carneiro no Centro de Estudos
Afro-Orientais (CEAO/UFBA), marcando o centenário da honrosa Lei do Ventre
Livre mostra o compromisso de muitos intelectuais preocupados com a inserção
das crianças escravizadas na complexa sociedade brasileira. Libertá-las
juntamente com os seus pais era a meta visada pelos abolicionistas que se
perguntavam acerca da qualidade da cidadania que os filhos escravizados
exerceriam na sociedade dos escravizadores.
O que fez a filosofia e
sua leitura personalista por estas crianças? Propiciou os questionamentos que
enfraqueceram as ideologias que as mantiveram prisioneiras por longos anos,
vitimadas por uma cor transformada em sinônimo de dor. A filosofia com o seu
personalismo criticou o aparato jurídico do Brasil imperial quando este
fortaleceu mecanismos que legitimaram e blindaram a história da escravidão
reservando a liberdade para alguns poucos e negando-a para a grande parte da
população.
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