Quando
nos colocamos diante de temáticas oriundas da filosofia, faz-se necessário
apontar características basilares do período histórico no qual esta filosofia
se desenvolve. Procuramos tocar as identidades da antiguidade, da modernidade,
da contemporaneidade, para desvelar o suporte sobre o qual está construída a
atividade filosófica que ocupa as nossas indagações.
O solo
sobre o qual se desenvolveu a filosofia que chamamos medieval foi constituído
por três elementos: as invasões barbáricas, o desmoronamento do império romano
do Ocidente (476 D.C.), e o enfraquecimento da cultura greco-romana. Estes
elementos conservaram grandes pontos de contato entre os períodos clássico e o
medieval no tocante aos contributos de Platão, do neoplatonismo com a sua
concepção acerca do Uno que origina a multiplicidade e de Aristóteles.
Como não
elaboramos uma correta releitura da filosofia medieval prescindindo destes
contributos também não olvidamos a influência incisiva do cristianismo nas
concepções sociopolítica e filosófica deste período da história da humanidade.
É a presença marcante do cristianismo que impõe sobre a filosofia medieval uma
ótica espiritualista com a qual o fenômeno cultural ou se preferirmos, toda a
extensão do real será relida à luz do Transcendente apresentado com as vestes
do Deus dos cristãos.
Noutros
termos, o antropocentrismo da filosofia moderna foi precedido pelo teocentrismo
que na idade média, transformou a filosofia em laboris socia, em adiutrix theologiae
isto é, em companheira de trabalho, em auxiliar da teologia. Sabemos, porém que
em determinados momentos esta relação adquiriu tonalidades deterioradas ao
ponto que a filosofia tornou-se verdadeira ancilla
theologiae, ou seja, serva da teologia. Sem autonomias, a sua ratio essendi se limitou ao simples fato
de providenciar os suportes que a teologia necessitava para explicitar as
complexas realidades da fé. Esta postura gnosiológica conhecida como fideísmo,
foi meticulosamente rejeitada pelo racionalismo da filosofia moderna.
Mas
afinal, quais foram os erros da filosofia medieval? Os erros cometidos no
decorrer desta história da filosofia, nascem deste processo de medievalização,
desta excessiva cristianização que usurpou as liberdades individuais e
precisamente a liberdade religiosa. Existiram acertos nesta filosofia? Se a
cristianização medieval foi excessiva também foi igualmente necessária. Num
forte período de crise de um modelo clássico com as suas instituições, o
cristianismo ainda pueril, foi capaz de oferecer um coeficiente mínimo de
integração sociopolítica imprescindível para todo e qualquer desenvolvimento
cultural.
O que
esta filosofia pode nos dizer hoje? Não apenas o cristianismo com a sua teologia
pode impor uma dura servidão sobre os ombros da filosofia. Como sabemos esta
tentativa foi retomada pelos quadros históricos sucessivos, algumas vezes pela
política, pela economia, pela técnica e tantas outras. Tais aproximações são
inevitáveis. Tudo resulta da manutenção dos justos equilíbrios nestas relações,
salvaguardando as identidades específicas e as respectivas
interdisciplinaridades.
Visto que
não é possível uma releitura da filosofia medieval prescindindo da relação
filosofia – cristianismo, permanece necessária a tarefa que consiste em
verificar o lugar que esta mesma relação ocupa nos embates da filosofia
contemporânea.