Nos sonhos
mais cândidos, o direito é contemplado como um instrumento revestido de uma
tarefa grandiosa, que se expressa através de verbos que enfatizam o seu papel
social: tutelar, proteger, garantir. Implica dizer que o direito desponta com
vivacidade cada vez que os conflitos, das mais variadas espécies, ameaçam a
convivência em sociedade. Assim, vê-se no direito um perfil pacificador, um
canal de diálogo sempre aberto para que se reencontre um caminho certo. Este
último, mesmo tendo considerada a variedade de telas que o concretizam, terá
sempre características comuns, quais: a alteridade, enquanto abertura ao outro
e a tolerância, aqui vista como respeito ao outro no conjunto das suas
diferenças que dinamizam o espaço comum social.
É esta a
experiência cotidiana que se faz do direito? Há distinção entre o direito
teorizado e o direito experimentado? Quando se retoma a história deste gigante
chamado Brasil, vê-se um direito europeu que nesta terra presenciou os mais
cruentos horrores contra aqueles que aqui estavam. A civilização indígena no
Brasil, saboreou um direito usurpador que tutelou apenas o chamado colonizador
com os seus projetos expansionistas de dominação política e econômica. Este
direito, alojado confortavelmente no bolso do colonizador/patrocinador, não
teve tempo para ouvir os gritos de uma cultura indígena dizimada por ser
diferente, por exigir outro tipo de relação com a terra, que não é um produto a
ser explorado, mas sem dúvida, Mãe a ser ouvida.
Em seguida
não foi tão diferente a performance conformista do direito no território
brasileiro. Basta observar brevemente as atrocidades características deste
imenso Brasil negreiro. O direito permitiu que uma pessoa fosse propriedade de
outra pela simples cor da sua pele. A história do Brasil se identifica desde
cedo com uma marcha na direção da desigualdade e da negação de direitos. O
Brasil se beneficiou de um trabalho escravo no qual o negro violado trabalhou
para comprar a própria liberdade. O direito através de suas leis, pouco fez. Com
a Lei do Ventre Livre, não explicou como crianças “livres” viveriam ao lado de
pais escravos. Com a Lei Sexagenária, disse apenas que não precisava mais de
escravos velhos. Com a Lei Áurea, despediu uma massa de pessoas tolhidas por gerações,
privas de educação, de saúde, de moradia, despidas de vida.
O que
motiva o comportamento deste direito claudicante no território brasileiro? O
direito assim experimentado, está do lado de quem? Este direito beijou as mãos
dos colonizadores, dos fazendeiros, dos senhores de engenho, dos
patrocinadores, das empresas multinacionais. Este direito aplaude as farras das
fartas isenções fiscais. Este direito frágil com os fortes e forte com os
frágeis, é mais um dos brinquedos manejados por uma política preocupada apenas
com a manutenção do poder, como certificam as benesses concedidas às vésperas
das votações que fazem a política Temer tremer, aguardando o trabalho da
Comissão de Constituição e Justiça. É este direito que através da portaria
1.129 de 13 de outubro de 2017, dificulta o combate a toda forma de escravidão
na sociedade brasileira. O direito contemporâneo continua flertando com a
opressão ou está dando passos largos na direção do oprimido? Este direito
sufoca ou promove o exercício da cidadania? Este direito pactua com os
panoramas de morte ou salvaguarda a vida?
Será que o direito não estaria a serviço de fato dos mais abastados ou dos que controlam a sociedade?
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