Quando
as circunstâncias que delineiam o cotidiano são relidas com o intuito de
inseri-las num único conjunto constata-se uma agressão de proporção
incalculável que macula a finalidade de toda autêntica interpretação: a ampliação
dos horizontes do conhecimento. Se há uma caraterística marcante em todo
itinerário contemporâneo é a clara percepção da excessiva segmentação, a
identificação dos similares e a sequente ocultação da diversidade. O escopo de
toda interpretação reside na inadiável inclusão do diferente e nos respectivos
caminhos de emancipação.
Desde
os primeiros passos do conhecimento a filosofia veste a temível camisa da
crítica. Não se trata de uma crítica excludente que sentencia imediatamente o
encarceramento do diferente. Singularizar não é uma tarefa social exercida pela
filosofia, mas sim custodiar todos aqueles elementos que incitam o dinamismo
das mais variadas formas de pluralismo. Quando só dialoga consigo própria, que
benefício causa a desestabilizadora ação filosófica? A religião é uma valorosa
parceira da filosofia que a auxilia na realização dos almejados ideais sociais.
Considerando
a amplitude do fenômeno religioso construído em torno do movimento desempenhado
por Cristo, vê-se como entre as atividades religiosa e filosófica existem
importantes pontos comuns que repercutem sobre o quesito inclusivo
indispensável para todo espaço social. Na relação que instauram com uma
determinada cultura, ambas estão prontas para criticá-la e redimensioná-la quando
estiver em jogo a defesa da integridade da pessoa humana, que em toda
circunstância é sempre uma realidade indivisível e irredutível.
O
percurso privilegiado por Cristo enfatiza o valor incomerciável da pessoa
humana em variados momentos que provocam uma reflexão capaz de aproximar
filosofia e religião. Ressalta-se o cuidado de Cristo com os doentes, com
homens e mulheres que sob o efeito alienante de um ilusionismo religioso foram
distanciados dos recursos do convívio social. Cristo foi um obstáculo removido
pela sociedade do seu tempo por defender a autonomia entre as esferas temporal
e espiritual, a dignidade da mulher e, sobretudo por não ser aliado de uma
política corrupta que camufla as tentativas que visam uma clara manutenção do
poder dissociado dos critérios da justiça.
A
edificação da justiça é convidada a ultrapassar o meramente textual, o
ritualismo que transforma a atividade jurídica num culto reservado para poucos.
Como se vê, a religião e a sociedade justa não são perspectivas assim tão diametralmente
opostas como pensam as óticas unilateralistas que empobrecem o debate
contemporâneo. A relação construída neste percurso entre filosofia, religião e
justiça não só não é arbitrária, mas evidencia que esta tríade compartilha um
indiscutível escopo comum, na medida em que há uma valiosa soma de
indispensáveis esforços que buscam o pleno desenvolvimento da pessoa humana ao
mesmo tempo questionadora, religiosa e sedenta de justiça.
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