A
obra elaborada por Lon Fuller, intitulada “O Caso dos Denunciantes Invejosos”,
remete a uma ideia de justiça de transição que possui primordialmente três
objetivos basilares. São eles: (1) ressarcir as pessoas que se tornaram vítimas
de quaisquer aspectos da violência; (2) harmonizar o convívio social através da
concessão de anistia e outras práticas de perdão sociopolítico; (3) elaborar as
medidas cabíveis para evitar retrocessos que maculem a convivência em
sociedade.
O
peso dos totalitarismos com seus grilhões ditatoriais está presente nesta
intrigante obra que esboça argumentos que desafiam a reflexão jurídica, quais:
a legalidade, o dever legal, a inexigibilidade de conduta diversa, a
fungibilidade e a insignificância. Estes argumentos revelam as seguintes
direções: o acusado apenas cumpria o direito vigente (que não necessariamente
oferece as melhores repercussões do ideal de justiça almejado pela sociedade);
o acusado apenas fazia valer os seus deveres (sem assumir a tarefa de elaborar
uma leitura valorativa das ordens recebidas); o não cumprimento de seus deveres
exporia o acusado a duras penalizações; mesmo abdicando de seus deveres, outras
pessoas realizariam as mesmas ações agora gravadas sobre os ombros do acusado;
maximizar as ações atribuídas ao acusado deixaria de lado o maquinário que
serviu de suporte ao regime totalitário.
Cabe
ressaltar o caso dos chamados soldados do Muro, que em Berlim recebiam ordens
para atirar em qualquer pessoa que sem autorização saísse da parte oriental
para a parte ocidental da cidade alemã. Com a queda do Muro (1989), muitos
soldados foram condenados pelos próprios tribunais alemães que consideraram estas
ações como graves violações aos tratados internacionais compartilhados pela
Alemanha, desrespeitando tanto o direito à vida quanto a liberdade de ir e vir.
O
que vimos relatado no território alemão também atinge a geopolítica
latino-americana. Aqui lembramos o movimento denominado “Mães da Praça de Maio”,
que ainda hoje todas as quintas-feiras protestam diante da Casa Rosada para
manter a memória dos filhos desaparecidos durante as atrocidades da ditadura
militar no solo argentino. Até mesmo no Brasil, constatam-se inúmeros episódios
que marcaram uma das mais cruentas ditaduras que atingiram a America latina. Já
ouvimos falar sobre a Comissão Nacional da Verdade que visa elucidar casos até
então sigilados por um esquecimento que bem longe de pacificar a sociedade a
impossibilita de olhar com clareza para o seu passado em busca de justiça para
tantos filhos de uma pátria que está distante de ser a tão esperada Mãe gentil.
Leis
foram elaboradas no Brasil de ontem (6.683/1979) e de hoje (11.111/2005) com o
claro propósito de inviabilizar qualquer tipo de acesso a este passado que
evoca um conflito jurídico quando coloca lado a lado agressor e agredido. O que
constatamos nas páginas deixadas por Lon Fuller e nestas do Brasil
contemporâneo? É possível que através de alianças arbitrárias o direito
abandone a sua indiscutível tarefa de fazer justiça?
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