sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O direito contraria a justiça? Uma resposta a partir de Lon Fuller.

A obra elaborada por Lon Fuller, intitulada “O Caso dos Denunciantes Invejosos”, remete a uma ideia de justiça de transição que possui primordialmente três objetivos basilares. São eles: (1) ressarcir as pessoas que se tornaram vítimas de quaisquer aspectos da violência; (2) harmonizar o convívio social através da concessão de anistia e outras práticas de perdão sociopolítico; (3) elaborar as medidas cabíveis para evitar retrocessos que maculem a convivência em sociedade.
O peso dos totalitarismos com seus grilhões ditatoriais está presente nesta intrigante obra que esboça argumentos que desafiam a reflexão jurídica, quais: a legalidade, o dever legal, a inexigibilidade de conduta diversa, a fungibilidade e a insignificância. Estes argumentos revelam as seguintes direções: o acusado apenas cumpria o direito vigente (que não necessariamente oferece as melhores repercussões do ideal de justiça almejado pela sociedade); o acusado apenas fazia valer os seus deveres (sem assumir a tarefa de elaborar uma leitura valorativa das ordens recebidas); o não cumprimento de seus deveres exporia o acusado a duras penalizações; mesmo abdicando de seus deveres, outras pessoas realizariam as mesmas ações agora gravadas sobre os ombros do acusado; maximizar as ações atribuídas ao acusado deixaria de lado o maquinário que serviu de suporte ao regime totalitário.
Cabe ressaltar o caso dos chamados soldados do Muro, que em Berlim recebiam ordens para atirar em qualquer pessoa que sem autorização saísse da parte oriental para a parte ocidental da cidade alemã. Com a queda do Muro (1989), muitos soldados foram condenados pelos próprios tribunais alemães que consideraram estas ações como graves violações aos tratados internacionais compartilhados pela Alemanha, desrespeitando tanto o direito à vida quanto a liberdade de ir e vir.
O que vimos relatado no território alemão também atinge a geopolítica latino-americana. Aqui lembramos o movimento denominado “Mães da Praça de Maio”, que ainda hoje todas as quintas-feiras protestam diante da Casa Rosada para manter a memória dos filhos desaparecidos durante as atrocidades da ditadura militar no solo argentino. Até mesmo no Brasil, constatam-se inúmeros episódios que marcaram uma das mais cruentas ditaduras que atingiram a America latina. Já ouvimos falar sobre a Comissão Nacional da Verdade que visa elucidar casos até então sigilados por um esquecimento que bem longe de pacificar a sociedade a impossibilita de olhar com clareza para o seu passado em busca de justiça para tantos filhos de uma pátria que está distante de ser a tão esperada Mãe gentil.
Leis foram elaboradas no Brasil de ontem (6.683/1979) e de hoje (11.111/2005) com o claro propósito de inviabilizar qualquer tipo de acesso a este passado que evoca um conflito jurídico quando coloca lado a lado agressor e agredido. O que constatamos nas páginas deixadas por Lon Fuller e nestas do Brasil contemporâneo? É possível que através de alianças arbitrárias o direito abandone a sua indiscutível tarefa de fazer justiça?

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