Refletindo
acerca das inevitáveis correlações entre ethos
e polis, nos aproximamos de
considerações que evidenciam quais os comportamentos dominantes que mais
incidem sobre a cidade, ao ponto de determinar os contornos que originam a sua
identidade.
De
outro lado, percebemos que há uma comunicabilidade que perpassa todo o processo
de geração de comportamentos. É como se perguntássemos: Que cidade temos e que
cidade queremos? E contemporaneamente ouvíssemos perguntas da cidade: Os meus estão
distantes dos progressos aqui alcançados? Estão cansados de suportar o meu peso
sobre os ombros? Sabem de fato que são meus e por isso mesmo são cidadãos?
Numa
palavra, não é somente o antropos que
nasce da polis, como refletíamos guiados
pelos estímulos da filosofia de Aristóteles, mas a polis decorre do antropos.
A filosofia não mostra exclusivamente a direção de uma antropologia política,
mas evidencia a necessidade de uma política antropológica.
De
quanto dito, abre-se uma perspectiva que entrelaça metafísica e política.
Inicialmente parece forçosa tal relação, até porque herdamos de Aristóteles a
abordagem que separou de forma abissal estas constantes do fenômeno humano. O
fato de ter acentuado um aspecto especulativo do intelecto e outro prático,
dedicado à ética-política e destinado a dar espaço a uma reflexão projetada
para além da physis, lançou as bases
para uma dicotomia que persiste até estes dias, esboçou uma política atrelada
ao pragmático nas suas versões mais imediatistas e redutivas que insistem em
tornar parcial a integralidade do fenômeno humano.
E
precisamos dizer que o discurso metafísico foi atingido nesta sua inseparável plataforma,
a physis. É como se uma vez reféns
das releituras que os modernos fizeram dos clássicos e do iluminismo cristão,
tivéssemos esquecido que as questões de ordem metafísica possuem um ponto de
partida concreto e objetivo que repercorre toda extensão da empiria.
Assim
atingidas, tanto a reflexão política quanto aquela metafísica, vê-se a
dificuldade de uma abordagem que viabilize a construção de uma ontologia, ou
seja, de uma compreensão do ser.
Quando
se lançou nesta busca, Tomás de Aquino (séc. XIII) compreendeu a pessoa humana
qual ato de ser (actus essendi), mostrando a relação entre o “ser que é” e o
“ser que está sendo”. Durante a modernidade filosófica o ser foi lançado num
esquecimento sombrio que não poucas vezes impossibilitou o seu reconhecimento.
Somente com Heidegger (séc. XX) vemos o retorno de um interesse pela
compreensão do ser a partir deste dado que caracteriza a contingência humana
que é a sua fragilidade. Entre o “ser que é” e o “ser que está sendo” há uma
relação manifestada enquanto cuidado, aquele da polis com as suas estruturas em relação ao antropos, e o deste para com a polis.
É
importante que não vejamos mais os nefastos resultados de quaisquer
unilateralismos da razão. Curvada diante destes, a razão produz compreensões
sempre mais estreitas e parciais. E quando isto acontece, surgem absurdas compreensões
de um partido político, de uma corrente filosófica, de uma linha econômica, de
um povo, ou se quisermos de uma raça. É como se disséssemos: o ser que está
sendo, não permite que o outro seja.
Quando
compreendemos o ser a partir da alteridade, vemos que uma sã metafísica é
necessariamente política enquanto comprometida com a polis, vemos que uma sã política é necessariamente metafísica
enquanto comprometida com o antropos.
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