Dentre as características da sociedade
contemporânea, certamente a liberdade está entre aquelas que se apresenta por
si mesma. São inúmeros os esforços que a explicitam como também aqueles que
visam protegê-la quando se vislumbram circunstâncias que ameaçam a integridade
e a multiplicidade das suas expressões. A centralidade da liberdade na
sociedade hodierna é tão indiscutível que graças a tantos esforços realizados,
nos damos o luxo de discussões acerca do seu correto uso. Olhando para a
história, constatamos que nem sempre foi assim. Até pouco tempo a liberdade foi
mesmo um artigo raro usufruído por poucos privilegiados.
É nas densas páginas da erroneamente chamada idade
das trevas, que se encontra pela primeira vez um documento jurídico centrado
sobre a defesa da liberdade. Não há algo errado nesta posição? Há relação entre
Medievo e Liberdade? Quando corretamente apresentado, livre de correntes
ideológicas, constata-se que Primeiro Iluminismo (ou Iluminismo cristão), é o
termo mais apropriado para este período da humanidade. O próprio Tomás de
Aquino (1225), grande expoente da literatura filosófico-cristã, nasce numa
Europa consciente do papel que a liberdade desempenha na sociedade. Esta é a
indiscutível peculiaridade deste valioso tesouro jurídico apropriadamente
chamado, Magna Carta (1215): apresentar solenemente, de modo claro e explícito
que liberdade é o nome próprio da sociedade humana.
Olhando para as páginas políticas da história,
percebe-se que a relação entre governo e governados foi marcada por constantes
abusos. O primeiro, dotado de uma liberdade ilimitada, sempre impôs fardos
absurdos ao exercício de liberdade dos seus governados. Bens preciosos, como: a
propriedade, o trabalho, a locomoção, a expressão de opiniões e até mesmo a
vida humana, ocuparam um lugar secundário, foram aniquilados quando não
serviram aos interesses dos governantes que macularam o fenômeno humano com as
agressões das tiranias e dos despotismos, dos totalitarismos e das ditaduras.
São inúmeras as situações nas quais o governante se coloca acima da lei,
instrumentalizando-a, direcionando-a a fins próprios em detrimento do benefício
da coletividade. Na história humana, a lei exerceu o papel de dominação social
que subjugava os governados e blindava o governante, isentando-o de
responsabilidades e legitimando cruentas barbáries.
De uma forma ou de outra, todos um dia perguntamos
acerca da especificidade de direitos que são ulteriormente adjetivados com o
termo “humanos”. As respostas recolhidas na diversidade de autores e doutrinas
irão nesta direção: trata-se de direitos inalienáveis, inerentes a pessoa
humana enquanto tal, são indiscutíveis, não há nada que seja digno ao ponto de nutrir
o propósito de trocá-los. Como todo universo humano, estes seguiram evoluções
que originaram as gerações dos direitos fundamentais. A primeira geração destes
direitos dedica-se inteiramente ao tema da defesa da liberdade e afunda as suas
raízes na célebre declaração da Magna Carta.
O texto jurídico escrito no séc. XIII pelo rei João
acentua a necessidade de limitação dos poderes exercidos pelo governante,
apresenta a lei não como um escudo que protege arbitrariedades, mas sim como um
instrumento ao serviço da liberdade. Na primeira cláusula da Magna Carta reside
quanto será especificado no decorrer deste texto que é um verdadeiro hino a
liberdade. Suas cláusulas ressoam pelas épocas sucessivas, intrigam as
reflexões jurídicas hodiernas e exigem respostas dos operadores deste
interminável processo de adaptação social que é o direito. Lê-se com espanto,
admiração e expectativa: “1. Garantimos, também, a todos os homens [...] de
nosso reino, de nossa parte e de parte de nossos herdeiros para sempre, todas
as liberdades abaixo indicadas, para que eles e seus herdeiros as possuam”.
Boa reflexão!
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