Conversando com os alunos costumo dizer que existem
importantes pontos de encontro entre filosofia e direito. Se este último é tido
como um conjunto de normas, consideramos a filosofia como um conjunto de
questionamentos. Normas e questionamentos? Sim, não há ou ao menos não deveria
haver qualquer separação entre estes dois pilares da sociedade.
Nestas conversas, tenho afirmado que a filosofia
nasce política. Acredito necessária esta simples colocação, pois em muitos
segmentos a filosofia é vista como uma peça depreciativa e priva de qualquer
utilidade. Estamos sempre atrás de coisas úteis. Facilmente encontramos a
utilidade da medicina, da enfermagem, daqueles saberes que cuidam da saúde, que
é direito fundamental dos membros de uma sociedade.
Temos uma percepção clara da utilidade da
multiplicidade das engenharias que vão desde a boa elaboração e execução das
obras que embelezam a polis, ao cuidado e preservação do meio ambiente, para
que o progresso da civilização não exerça um impacto negativo sobre esta Casa
comum.
E a utilidade da filosofia? Além de nascer política,
estabelecendo uma parceria vital com a cidade, a filosofia assume um
compromisso com a justiça, o que continua aproximando-a de finalidades muito
caras ao direito. O que estou dizendo? É isto mesmo: filosofia e justiça há
muito se conhecem. A ausência de justiça questiona a filosofia e esta indaga
aquilo que torna a justiça um artigo raro, tão luxuoso ao ponto de ser
privilégio de poucos. Veloz para quem pode pagar e lenta para aqueles que só
podem esperar.
Sabemos que desde as célebres páginas de
Aristóteles, a filosofia esboça concepções de justiça enxergando-a na
perspectiva do dar a cada um aquilo que lhe é próprio. É a partir desta leitura
que a filosofia interroga a cidade para avaliar o seu teor de justiça. A
filosofia sopra sobre nós a seguinte pergunta: Esta cidade é justa? A cidade é
justa quando oferece aos seus membros aqueles instrumentos indispensáveis para
o seu desenvolvimento.
Afirmar que a filosofia está comprometida com o
aprimoramento da cidade através da realização da justiça é em definitiva expor
a sua indiscutível tarefa de tutelar a pessoa humana. Esta é uma finalidade
compartilhada com o direito. E desta finalidade que é comum, ouviríamos: Tais
instrumentos são concedidos igualmente a todos? A cidade coloca todos os seus
membros numa mesma linha de partida? Existem pessoas que começam bem além da
linha de partida? Algumas sequer precisam correr, pois o enriquecimento injusto
derivado do dinheiro desviado corre por elas? Outras até que desejariam, mas
realmente não podem correr? Os seus direitos fundamentais foram negados? Sem
saúde, educação, moradia e tantos outros elementos indispensáveis elencados no
maravilhoso e irrealizável artigo 5º da Constituição Federal, milhares de
pessoas não correm atrás dos sonhos, das metas e de si mesmas, neste Brasil que
desde cedo legitima desigualdades.
Não sei qual o nome mais apropriado para a
Constituição deste país. Por vezes, parece uma fábrica de ilusões, de miragens
sociais que dissolvem no encontro com as discrepâncias de uma realidade agressora.
É difícil aceitar que a Carta Maior do Brasil se reconheça como cidadã. Não é
fácil reconhecê-la como expressão do sorriso cuidadoso de uma Pátria que deseja
ser Mãe gentil.
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