terça-feira, 28 de julho de 2015

A Missão do apóstolo Paulo na primeira carta aos tessalonicenses.



Missão e amizade com Deus são realidades inseparáveis na vida de Paulo. É esta relação que o prepara e o reveste de um zelo extraordinário pelas comunidades cristãs. Escrita por volta do ano 51, a primeira carta aos tessalonicenses que precede os evangelhos, é um testemunho maravilhoso desta dedicação de Paulo que expressa seu amor pelos eleitos de Deus (cf. 1Ts 1,5). O centro da missão desempenhada por Paulo, não consiste numa espécie de retórica, não reside num apelo ao sentimento privo de compromisso, nem mesmo na laboriosidade do apóstolo que é claramente consciente das próprias fraquezas (cf. 2Cor 2,10), mas sim na presença operante de Deus que age e perscruta o coração (cf. 1Ts 2,4).
A missão é antes de tudo escola de espiritualidade e busca constante de conversão. O anúncio que caracteriza a missão não assume tons ameaçadores, mas expressa alegria diante da comunidade fecundada pela Palavra, que cresce gerando frutos na fé e no amor recíproco (cf. 1Ts 2,20). Não é intenção de Paulo edificar uma comunidade transcendental, verticalizada na direção de um Deus impessoal. Crescer na fé trazida por Cristo implica aceitar os desafios deste amor que aproxima e indica o intransferível caminho da renúncia de si (3,12).
Revestido de ternura, o apóstolo não quer ser um peso para a comunidade, nem alguém sustentado pelo trabalho alheio e, portanto se desdobra para ser exemplo de independência e autonomia (cf. 1Ts 4,11-12).
O apóstolo não desempenha a missão como um catedrático, como um renomado professor universitário ou como um conferencista de alcance internacional. Trata-se de alguém entrelaçado por uma teia de relações que não são apenas interpessoais, mas, sobretudo fraternas. Paulo sente saudades de pessoas reais com as quais compartilhou uma vida real. Cabe a Timóteo, a tarefa de transmitir estes sentimentos presentes no coração do apóstolo, confirmando que os mesmos também estão no coração dos cristãos (cf. 1Ts 3,2.6).
A missão anunciada pelo apóstolo tem uma meta muito clara: crescer na santidade. É este o desejo de Paulo e antes de tudo é o apelo de Cristo (cf. Mt 5,48). Assim descrita, a santidade não se confunde com uma introspecção incomunicável, mas gera um ethos, um comportamento concreto sinalizado pelo apóstolo que denuncia o caso das uniões ilegítimas, e o necessário cuidado com o corpo que é templo sagrado e não objeto de escravidões humanas e espirituais como aquelas presentes em Tessalônica (cf. 1Ts 4,3-5).
O apóstolo não quer ver a comunidade assustada, sob o peso de alarmismos insanos acerca de um retorno iminente do Cristo Senhor. Datas e especulações sobre este momento tão esperado não podem deteriorar este precioso dom de Deus que é o momento presente. É aqui que o Cristo Senhor quer nos encontrar vigilantes na fé e no amor quais filhos da luz e não das trevas (cf. 1Ts 5,5).
Ao concluir a primeira carta aos tessalonicenses, Paulo espera que a comunidade tenha apreço por aqueles que lançam as sementes da Palavra, empenhe-se para que não se apague a luz do Espírito que constrói o coração dedicado à paz, afastando-o do mal e aproximando-o de tudo aquilo que é edificante para os irmãos (cf. 1Ts 5,12-13.19.21-22).

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Religião e Cristianismo: Ocupar-se das coisas do Pai.



Reconstruir o perfil do fenômeno religioso no Ocidente implica passar necessariamente através de Cristo e do cristianismo decorrente. Existe uma vasta literatura acerca da historicidade de Cristo por vezes apresentado com vestes diferentes e contrastantes. No Evangelho, Carta Magna do cristianismo, temos posições preciosas sobre este jovem nazareno que teve sua mensagem amada por uns e odiada por outros.
Cristo não nasceu no seio de uma família dominante do cenário geopolítico do seu tempo. Sabemos que as circunstâncias instaladas em volta do seu nascimento foram extremamente difíceis. Estes pais desprovidos de bens encontraram apenas uma gruta disponível para acolher o ingresso deste primogênito nesta humanidade de luzes e trevas que quase sempre parecem mais convincentes.
Não temos muitos relatos acerca da infância de Cristo, porém no Evangelho algo corre veloz dos lábios deste menino e atinge diretamente os ouvidos de seus pais: “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lucas 2,49). A resposta dada é no mínimo intrigante.
Imaginemos um número incontável de pessoas numa grande manifestação de fé como a festa da Páscoa na cidade de Jerusalém. Nestes momentos de entusiasmo, de encontros com familiares e amigos para partilhar a vida, é normal que durante a viagem de retorno ouçamos a pergunta: “Alguém viu o meu filho?” Os pais conhecem o peso do desespero que os invadem nestas situações. Não o encontrando na caravana, retornaram e se maravilharam ao verem o menino discorrendo com os doutores da lei, perplexos diante de suas interrogações. (Lc 2,41-48)
O texto do Evangelho de Lucas mostra o rosto de um menino decidido, quase duro e ríspido. Não narra o pulo de um menino nos braços dos pais, mas uma resposta clara e madura como muitas que ouvimos das nossas crianças. Ocupar-se das coisas do Pai não foi minimamente a resposta involuntária de um menino crescido, mas sim o projeto que guiou toda a vida de Cristo.
Agora nos deparamos inevitavelmente com uma pergunta: Quais são as coisas do Pai apontadas por Cristo no Evangelho? A experiência humana mostra que as coisas dos pais são as mesmas dos filhos. São estes que perpetuam os gestos dos pais e transmitem uma herança cultural, afetiva e espiritual. É somente com o resgate da espiritualidade que conhecemos as coisas do Pai em toda extensão e profundidade. A imanência humana silencia diante do semblante do Pai que é Transcendência Infinita.
A Religião jamais abrirá mão desta identidade, pois com seus ritos e celebrações, enfatiza a íntima relação que nos familiariza neste encontro humano e divino. O Evangelho diz que o Pai nos procura para que o adoremos em espírito e verdade, mas evidencia ainda nossa busca quando Filipe dirigindo-se a Cristo manifesta o anseio de todo universo humano: “mostra-nos o Pai e isso nos basta”. A resposta de Cristo ressoa na história e acentua a identidade da Religião enquanto lugar deste precioso encontro: “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai” (João 4,23; 14,8-9).

I - Filosofia e Cristianismo a partir de Jacques Maritain



Sabemos que a reflexão filosófica não nasce com o cristianismo, nem mesmo depende exclusivamente deste último, mas isto não significa que a nossa tentativa de relacioná-los seja algo forçado ou até mesmo arbitrário.
Evitando qualquer espécie de confusão entre os papéis destas duas esferas que compõem a nossa realidade quotidiana, nós não iremos identifica-las completamente, pois assim correríamos o risco de não conseguir distingui-las, o que seria outro erro tão grave quanto aquele que consiste em opô-las brutalmente.
Queremos mostrar que é necessário que as correntes filosóficas que dispensam os dados do cristianismo - como também aquelas que se nutrem destes últimos -, deixem de se comportar como se fossem as representantes oficiais da filosofia, e reconheçam que são nada mais que etapas, que são períodos, ou seja, estados da filosofia. Eis o que o filosofo francês nos diz a este respeito: “É necessário distinguir a natureza da filosofia, ou aquilo que ela é em si mesma, e o estado onde de fato ela se encontra, historicamente, no sujeito humano, e que se relaciona às condições de existência e de exercício numa ordem concreta. certamente esta distinção pressupõe que a filosofia possua uma natureza, que ela seja capaz de se apresentar como uma realidade concreta”. (Maritain, 1933, p. 27)
O instrumento que pode estabelecer um equilíbrio salutar entre a situação concreta da filosofia e a sua natureza é a própria capacidade de abstração que é peculiar ao ser humano.
É com esta capacidade de abstração que imergimos num determinado contexto histórico que caracteriza um período filosófico, mas é ainda com esta mesma que emergimos evitando os perigos de um possível abstracionismo, e descobrimos que a filosofia certamente realiza alianças com uma história, com situações particulares, com tudo aquilo que é próprio de um tempo, mas descobrimos ainda que a filosofia jamais se isenta de ultrapassar, de redimensionar, de entrar em diálogo com o novo e de enfrentar equações que reúnem tanto o sujeito questionador quanto as interrogações que são próprias do seu tempo.
Desta maneira, para descobrir aquilo que a nossa primeira pergunta-guia pode nos oferecer, é necessário que estabeleçamos uma ideia abrangente e concreta da reflexão filosófica, ou seja, precisamos fazer com que esta mesma não se sinta satisfeita diante de resultados parciais que não contemplam a dimensão sobrenatural da pessoa humana.
Uma reflexão filosófica que possua este perfil nos ajuda a questionar não apenas as reflexões que não exprimem o seu compromisso com a busca da Verdade que caracteriza a nossa existência, mas também pode abrir os nossos olhos quanto ao teor dos elementos presentes na sua constituição.