quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Direito! Cuidado!

Nos sonhos mais cândidos, o direito é contemplado como um instrumento revestido de uma tarefa grandiosa, que se expressa através de verbos que enfatizam o seu papel social: tutelar, proteger, garantir. Implica dizer que o direito desponta com vivacidade cada vez que os conflitos, das mais variadas espécies, ameaçam a convivência em sociedade. Assim, vê-se no direito um perfil pacificador, um canal de diálogo sempre aberto para que se reencontre um caminho certo. Este último, mesmo tendo considerada a variedade de telas que o concretizam, terá sempre características comuns, quais: a alteridade, enquanto abertura ao outro e a tolerância, aqui vista como respeito ao outro no conjunto das suas diferenças que dinamizam o espaço comum social.
É esta a experiência cotidiana que se faz do direito? Há distinção entre o direito teorizado e o direito experimentado? Quando se retoma a história deste gigante chamado Brasil, vê-se um direito europeu que nesta terra presenciou os mais cruentos horrores contra aqueles que aqui estavam. A civilização indígena no Brasil, saboreou um direito usurpador que tutelou apenas o chamado colonizador com os seus projetos expansionistas de dominação política e econômica. Este direito, alojado confortavelmente no bolso do colonizador/patrocinador, não teve tempo para ouvir os gritos de uma cultura indígena dizimada por ser diferente, por exigir outro tipo de relação com a terra, que não é um produto a ser explorado, mas sem dúvida, Mãe a ser ouvida.
Em seguida não foi tão diferente a performance conformista do direito no território brasileiro. Basta observar brevemente as atrocidades características deste imenso Brasil negreiro. O direito permitiu que uma pessoa fosse propriedade de outra pela simples cor da sua pele. A história do Brasil se identifica desde cedo com uma marcha na direção da desigualdade e da negação de direitos. O Brasil se beneficiou de um trabalho escravo no qual o negro violado trabalhou para comprar a própria liberdade. O direito através de suas leis, pouco fez. Com a Lei do Ventre Livre, não explicou como crianças “livres” viveriam ao lado de pais escravos. Com a Lei Sexagenária, disse apenas que não precisava mais de escravos velhos. Com a Lei Áurea, despediu uma massa de pessoas tolhidas por gerações, privas de educação, de saúde, de moradia, despidas de vida.
O que motiva o comportamento deste direito claudicante no território brasileiro? O direito assim experimentado, está do lado de quem? Este direito beijou as mãos dos colonizadores, dos fazendeiros, dos senhores de engenho, dos patrocinadores, das empresas multinacionais. Este direito aplaude as farras das fartas isenções fiscais. Este direito frágil com os fortes e forte com os frágeis, é mais um dos brinquedos manejados por uma política preocupada apenas com a manutenção do poder, como certificam as benesses concedidas às vésperas das votações que fazem a política Temer tremer, aguardando o trabalho da Comissão de Constituição e Justiça. É este direito que através da portaria 1.129 de 13 de outubro de 2017, dificulta o combate a toda forma de escravidão na sociedade brasileira. O direito contemporâneo continua flertando com a opressão ou está dando passos largos na direção do oprimido? Este direito sufoca ou promove o exercício da cidadania? Este direito pactua com os panoramas de morte ou salvaguarda a vida?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O DIA-A-DIA DOS DIREITOS HUMANOS

Uma das características centrais destes dias consiste na conquista de direitos e garantias. Mas reconhecer direitos nem sempre foi algo assim tão natural como se pode pensar. Muitas páginas da história da humanidade mostram a sistemática usurpação de direitos que no solo brasileiro dizimou a fauna, a flora, o índio, o negro, a mulher em nome de uma corte europeia que aqui se instalou trazendo benefícios e mazelas de um progresso. Uma correta abordagem acerca dos direitos humanos trará consigo o grito da alteridade, um apelo para que o direito ultrapasse as barreiras de um clientelismo que isola e vá ao encontro do outro que permanece fora, sem usufruir o que é construído nesta história. (PIOVESAN, 2014, p. 75)
Este é um risco comum quando se aborda hoje acerca dos direitos humanos: pensar que tudo está pronto, reconhecido e consolidado, que já não é mais necessário reivindicar. Há uma forte sensação que faz repensar o Brasil como um país redescoberto em 1988. Após décadas de um silêncio ameaçador imposto pela violência incontestável do regime militar que transformou este solo brasileiro num cemitério clandestino e desesperador. A redemocratização não foi uma varinha mágica que realizou os sonhos acalentados. Ainda existem vozes mais ouvidas que sufocam as minorias e as maiorias desprezadas. Eis a identidade do debate e da práxis que se instauram em torno dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2014, p. 76)
É na obra de Flávia Piovesan, intitulada “Direitos humanos e o direito constitucional internacional”, que se vê o amplo respiro que a reflexão jurídica traz consigo. Assim a tarefa jurídica consiste em gerar redes de uma hospitalidade efetiva, capaz de abrigar os inúmeros desalojados destes dias, que ainda são impedidos de exercer a cidadania ativa. Deste modo, aproxima-se do alicerce da construção jurídica, formado pela refutação da banalização da arbitrariedade e pelo esforço em tornar o direito uma linguagem comum. É preciso mostrar que não é normal lesar. Não há nada de humano nos atos de banir e exterminar. Pelo contrário, estes e seus derivados, são atos desumanos e reprováveis. (PIOVESAN, 2014, p. 77)
Há uma difusa forma de pensar que minimiza de tal modo o tema dos direitos humanos ao ponto de apresentá-los como os verdadeiros vilões da sociedade contemporânea, que deve livrar-se destes postulados nocivos, responsabilizados pelas sensações de injustiça. Parece que quando se recorre ao campo jurídico cível, administrativo, tributário e ainda outros, não se toca, o conjunto global e irredutível dos direitos humanos. Ao contrário daquilo que se escuta, os direitos humanos não são o afago dos bandidos. Os direitos humanos levantam-se em defesa do meio ambiente, da educação, da saúde e de outros valores constitucionais. Talvez se enfatizou pouco, que todos os direitos são humanos. (PIOVESAN, 2014, p. 80)