A
lei com as suas controvérsias é uma das coisas mais necessárias para a
convivência humana. Dentre os papéis exercidos pela lei está aquele que
consiste em polir posturas arbitrárias responsáveis pelas pseudopolíticas que
corroem todos os órgãos sociais. A lei tem a função de cuidar para que nada violente
o que existe de mais nobre: a vida humana. A lei pretende responder a uma
pergunta que marca o itinerário social: o que devo fazer? A lei é tão
indispensável que se pode pensá-la como o ar que dinamiza toda a ação política.
É por este motivo que todo cuidado é pouco com aqueles que elaboram a lei. Uma
vez contaminada por alianças espúrias, a lei provoca graves e até irreversíveis
fraturas sociais.
O
percurso sociopolítico brasileiro mostra que lei e justiça nem sempre se
aproximam. Por vezes a lei não gritou em defesa da pessoa humana e assistiu a
sua cruenta depredação. Quando se olha para este Brasil domesticado por seus
colonizadores vê-se que por pouco - apenas doze anos - não se entrou no século XX
cultivando ainda a ferida da escravidão. Foi necessário esperar um descuido,
como se estivesse fazendo algo inaceitável, para que o Brasil guiado por uma
mulher, contasse com a breve, incompleta e necessária Lei Áurea.
A
lei não é uma varinha mágica que sancionada retira a liberdade de uma cartola histórica.
A lei providencia elementos que recuperem tudo aquilo que foi negado a qualquer
lesado. Quando esqueceu de oferecê-los, a lei não gerou igualdade e blindou
desigualdades mostrando que diante dela não somos assim tão iguais como consta
nos seus belos artigos. A Lei Áurea não forneceu instrumentos que sanassem as
graves feridas da escravidão e disse apenas que o sangue do negro não mais
contaminaria o nobre latifúndio brasileiro. Não houve um empenho concreto da
lei para uma válida extinção da escravidão. O que se fez foi somente favorecer a
sua continuidade através de outras inaceitáveis modalidades que deram ao negro uma
dura clandestinidade como recompensa por ter enriquecido esta sociedade.
O
passado escravocrata brasileiro surgiu do nada, não tem culpados e nem deve
respostas? É possível aceitar que o negro deixe apenas de ser escravizado e seja
marginalizado? O Estado pode cruzar seus braços após ter colaborado com o
teatro do negro escravizado? A lei hodierna deve repetir os erros do passado e
deixar de promover uma real inserção social? Tudo o que este Brasil deve ao
negro passa através dos canais educacionais outrora negados. A lei 12.711/12
chega com um enorme atraso e com a tarefa social de sanar as desigualdades
abissais movidas pela vergonhosa falta de compromisso político com o negro
oprimido que não aceita uma liberdade sancionada e quer construí-la por meio de
políticas públicas efetivas.
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