As
Confissões é uma das obras que marca o itinerário espiritual de Agostinho: o
mais humano de todos os santos. Talvez seja este o motivo da grande
identificação que há com Agostinho. O fato de conhecer seus pecados faz com que
seja sentido como um de nós. Como alguém que bem nos conhece e que passou por
tudo aquilo que nós já passamos. A vida deste jovem africano repleta de altos e
baixos, desperta atenção por muitas causas e ainda por não ter vivenciado um
lar somente cristão. As orientações do pai pagão foram as mais incisivas, preenchendo
o coração cristão de sua mãe com inúmeras preocupações.
Nesta
obra Agostinho mostra que toda trajetória humana é caracterizada por uma busca
de Deus. Mesmo quando não se dá conta o coração humano está procurando Deus
através de variados itinerários sejam estes, políticos, acadêmicos, artísticos,
musicais e religiosos. Neste trajeto o ser humano se depara com propostas que
distanciam e aproximam de Deus. Há uma inquietação que é sinônimo do coração
humano e que faz de Agostinho o primeiro dos existencialistas em sede de
filosofia cristã, precedendo nomes quais Marcel, Maritain e outros. Movida por
questões não respondidas a inquietação se abriga nas mãos de Deus.
Se
o percurso humano é relido por Agostinho a partir desta busca até mesmo
tortuosa de Deus é preciso situar o lugar privilegiado no qual este Deus
procurado se deixa encontrar. Tendo revisitado toda a obra das suas mãos, Deus
escolheu o coração humano para armar a tenda da sua presença suportando as
intempéries derivadas do exercício do livre arbítrio. Procurá-lo sem olhar para
si próprio equivale a subtrair esforços antropológicos capazes de desvelar que
a maior vocação humana implica transformar-se no belo abrigo de Deus.
As
páginas históricas mostram que frequentemente Deus foi expulso do coração
humano por violar com ingerências sua imprevisível capacidade de decisão. Sem
aceitar critérios oriundos dos lábios de Deus, o coração humano se deixa atrair
por ídolos impostos pelos modismos culturais responsáveis pela geração dos
atuais processos de despersonalização. Infligindo sobre Deus a dura pena de
caminhar errante como um banido do convívio social, constata-se que o próprio
coração humano pereceu.
Quiçá
a filosofia cristã com seus questionamentos mostre quais são as verdadeiras
causas da demissão deste Deus que tem sido visto como um ultrapassado e incapaz
de satisfazer os caprichos humanos. A religião é autêntica cada vez que
sinaliza através da sua liturgia que o coração humano sente falta não de um
Deus defendido mas fraternalmente vivido, não de um Deus representado mas
partilhado, não de um Deus preocupado em converter mas sobretudo em acolher,
não de um Deus disposto a condenar mas pronto para libertar.