sábado, 22 de agosto de 2015

Direito e Religião: uma leitura política do cristianismo.



Os percursos interdisciplinares que marcam a construção do conhecimento revelam diversos encontros entre realidades que em geral são apresentadas como diametralmente opostas. O direito não pode ser apresentado como uma espécie de solipsismo, uma reflexão autoreferencial, centrada em si mesma e perdida na histeria das suas infindáveis terminologias. Quais processos de adaptação social o direito engendraria se permanecesse extasiado na contemplação de si mesmo, das conquistas realizadas cristalizadas na solenidade de declarações prisioneiras de tantos formalismos que retardam inadiáveis concretizações?
É impossível pensar o direito dissociando-o dos inevitáveis encontros com a diversidade de realidades que constituem a irregulável trama humana. Sendo assim, encontramos o direito dialogando com a indústria, desde o ramo alimentar até aquele que pesquisa inovações aeroespaciais. Vemos o direito conversando com o esporte, considerando a variedade de modalidades, acompanhando campeonatos estaduais, regionais, nacionais e até internacionais, como no caso das Olimpíadas que se aproximam.
Seria possível construir uma boa prosa entre direito e religião? Trata-se de velhos conhecidos, mesmo sabendo que algumas páginas da história retratam oscilações nos índices de entendimento entre estes dois pilares da humanidade, decorrentes de uma violação dos limites caracterizantes. Onde direito e religião se encontram? Sem dúvida alguma entorno deste macro valor chamado pessoa humana. Direito e religião compartilham o mesmo apelo de proteção contra tudo o que constitui uma ameaça à dignidade da pessoa humana.
A Carta Magna do cristianismo está repleta de posições que certificam quanto digo. No Evangelho de João (10,10), o próprio Cristo apresenta o núcleo da sua missão, afirmando: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância”. Não podemos tornar tal afirmação, refém de um espiritualismo descomprometido e privo de repercussões sociais. Certamente não podemos privá-la de uma correta transcendência, mas seus impactos políticos fomentam a transformação e a libertação esperada por cada história.
A vida em abundância proposta por Cristo e pelo cristianismo não está limitada aos imperativos de um único credo religioso. Os seus desdobramentos tocam uma correta liberdade, condições igualitárias e uma crescente fraternidade social, elementos fundamentais que apontam esta direção de um progressivo exercício da cidadania. É assim que afirmo: A religião é essencialmente política. Não se trata aqui de um quesito de política partidária, mas no fato que suas repercussões incidem diretamente sobre a polis, macro horizonte desta tríade: religião, política e direito.
Se olhássemos agora o artigo 5º da Constituição Federal, leríamos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Assim revemos ambas as Constituições, tanto a da Cidade de Deus quanto a da Cidade dos homens, estabelecendo a mesma imprescindível aliança em defesa deste direito fundamental que é a vida humana.
Tendo esboçado a missão do cristianismo, perguntaríamos como o direito se vê diante do espelho dos quadros sociais. O que o direito enxerga como sua intransferível missão? O renomado jurista Paulo Nader (2003, p.41), nos responde desta seguinte forma: “O direito deve ser contemplado, hodiernamente, não apenas como órgão dissipador de conflitos. A sua missão atual deve ser também a de promover o homem, dando-lhe condições para desenvolver o seu potencial de vida e cultura”.

domingo, 9 de agosto de 2015

Filosofia, Direito e Justiça

Conversando com os alunos costumo dizer que existem importantes pontos de encontro entre filosofia e direito. Se este último é tido como um conjunto de normas, consideramos a filosofia como um conjunto de questionamentos. Normas e questionamentos? Sim, não há ou ao menos não deveria haver qualquer separação entre estes dois pilares da sociedade.
Nestas conversas, tenho afirmado que a filosofia nasce política. Acredito necessária esta simples colocação, pois em muitos segmentos a filosofia é vista como uma peça depreciativa e priva de qualquer utilidade. Estamos sempre atrás de coisas úteis. Facilmente encontramos a utilidade da medicina, da enfermagem, daqueles saberes que cuidam da saúde, que é direito fundamental dos membros de uma sociedade.
Temos uma percepção clara da utilidade da multiplicidade das engenharias que vão desde a boa elaboração e execução das obras que embelezam a polis, ao cuidado e preservação do meio ambiente, para que o progresso da civilização não exerça um impacto negativo sobre esta Casa comum.
E a utilidade da filosofia? Além de nascer política, estabelecendo uma parceria vital com a cidade, a filosofia assume um compromisso com a justiça, o que continua aproximando-a de finalidades muito caras ao direito. O que estou dizendo? É isto mesmo: filosofia e justiça há muito se conhecem. A ausência de justiça questiona a filosofia e esta indaga aquilo que torna a justiça um artigo raro, tão luxuoso ao ponto de ser privilégio de poucos. Veloz para quem pode pagar e lenta para aqueles que só podem esperar.
Sabemos que desde as célebres páginas de Aristóteles, a filosofia esboça concepções de justiça enxergando-a na perspectiva do dar a cada um aquilo que lhe é próprio. É a partir desta leitura que a filosofia interroga a cidade para avaliar o seu teor de justiça. A filosofia sopra sobre nós a seguinte pergunta: Esta cidade é justa? A cidade é justa quando oferece aos seus membros aqueles instrumentos indispensáveis para o seu desenvolvimento.
Afirmar que a filosofia está comprometida com o aprimoramento da cidade através da realização da justiça é em definitiva expor a sua indiscutível tarefa de tutelar a pessoa humana. Esta é uma finalidade compartilhada com o direito. E desta finalidade que é comum, ouviríamos: Tais instrumentos são concedidos igualmente a todos? A cidade coloca todos os seus membros numa mesma linha de partida? Existem pessoas que começam bem além da linha de partida? Algumas sequer precisam correr, pois o enriquecimento injusto derivado do dinheiro desviado corre por elas? Outras até que desejariam, mas realmente não podem correr? Os seus direitos fundamentais foram negados? Sem saúde, educação, moradia e tantos outros elementos indispensáveis elencados no maravilhoso e irrealizável artigo 5º da Constituição Federal, milhares de pessoas não correm atrás dos sonhos, das metas e de si mesmas, neste Brasil que desde cedo legitima desigualdades.
Não sei qual o nome mais apropriado para a Constituição deste país. Por vezes, parece uma fábrica de ilusões, de miragens sociais que dissolvem no encontro com as discrepâncias de uma realidade agressora. É difícil aceitar que a Carta Maior do Brasil se reconheça como cidadã. Não é fácil reconhecê-la como expressão do sorriso cuidadoso de uma Pátria que deseja ser Mãe gentil.