Os percursos interdisciplinares que marcam a
construção do conhecimento revelam diversos encontros entre realidades que em
geral são apresentadas como diametralmente opostas. O direito não pode ser
apresentado como uma espécie de solipsismo, uma reflexão autoreferencial,
centrada em si mesma e perdida na histeria das suas infindáveis terminologias.
Quais processos de adaptação social o direito engendraria se permanecesse
extasiado na contemplação de si mesmo, das conquistas realizadas cristalizadas
na solenidade de declarações prisioneiras de tantos formalismos que retardam
inadiáveis concretizações?
É impossível pensar o direito dissociando-o dos
inevitáveis encontros com a diversidade de realidades que constituem a irregulável trama humana. Sendo assim,
encontramos o direito dialogando com a indústria, desde o ramo alimentar até
aquele que pesquisa inovações aeroespaciais. Vemos o direito conversando com o
esporte, considerando a variedade de modalidades, acompanhando campeonatos
estaduais, regionais, nacionais e até internacionais, como no caso das
Olimpíadas que se aproximam.
Seria possível construir uma boa prosa entre direito
e religião? Trata-se de velhos conhecidos, mesmo sabendo que algumas páginas da
história retratam oscilações nos índices de entendimento entre estes dois
pilares da humanidade, decorrentes de uma violação dos limites caracterizantes.
Onde direito e religião se encontram? Sem dúvida alguma entorno deste macro
valor chamado pessoa humana. Direito e religião compartilham o mesmo apelo de
proteção contra tudo o que constitui uma ameaça à dignidade da pessoa humana.
A Carta Magna do cristianismo está repleta de
posições que certificam quanto digo. No Evangelho de João (10,10), o próprio
Cristo apresenta o núcleo da sua missão, afirmando: “Eu vim para que tenham a
vida e a tenham em abundância”. Não podemos tornar tal afirmação, refém de um
espiritualismo descomprometido e privo de repercussões sociais. Certamente não
podemos privá-la de uma correta transcendência, mas seus impactos políticos fomentam
a transformação e a libertação esperada por cada história.
A vida em abundância proposta por Cristo e pelo
cristianismo não está limitada aos imperativos de um único credo religioso. Os
seus desdobramentos tocam uma correta liberdade, condições igualitárias e uma
crescente fraternidade social, elementos fundamentais que apontam esta direção
de um progressivo exercício da cidadania. É assim que afirmo: A religião é
essencialmente política. Não se trata aqui de um quesito de política
partidária, mas no fato que suas repercussões incidem diretamente sobre a
polis, macro horizonte desta tríade: religião, política e direito.
Se olhássemos agora o artigo 5º da Constituição
Federal, leríamos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”. Assim revemos ambas as Constituições, tanto a da Cidade de Deus
quanto a da Cidade dos homens, estabelecendo a mesma imprescindível aliança em
defesa deste direito fundamental que é a vida humana.
Tendo esboçado a missão do cristianismo,
perguntaríamos como o direito se vê diante do espelho dos quadros sociais. O
que o direito enxerga como sua intransferível missão? O renomado jurista Paulo
Nader (2003, p.41), nos responde desta seguinte forma: “O direito deve ser
contemplado, hodiernamente, não apenas como órgão dissipador de conflitos. A
sua missão atual deve ser também a de promover o homem, dando-lhe condições
para desenvolver o seu potencial de vida e cultura”.