sexta-feira, 20 de maio de 2016

Os movimentos sociais e o holocausto dos negros: Uma ampliação da lei 12.711.

Arrancados dos seus lares, os negros foram jogados sobre as terras do Brasil por volta do ano de 1580. A reflexão jurídica que derivava dos filhos dos nobres senhores formados nas universidades europeias e, sobretudo portuguesas, pouco se comprometeu com as situações atrozes vivenciadas pelos negros. E em muitos casos, procurou até mesmo elaborar suporte legal para que tais situações repousassem candidamente sob as asas daquilo que é devido e, portanto não deveria perturbar quaisquer sãs consciências.
Quando o século XIX cansado de si próprio, já tinha lançado as cartas de tantos horrores, os negros foram presenteados com o texto da Lei Áurea (1888). É um texto legal que celebra a liberdade? A liberdade é dada por uma classe dominante ou seria um direito inalienável, inerente ao humano enquanto tal sem considerar adjetivações de nacionalidade, opção sexual, cor, religião e quaisquer outras? Depois de serem sugados por séculos, de verem a morte de seus caros, de terem suas mulheres violentadas, os negros quais bagaços de cana, foram lançados nas lixeiras da sociedade brasileira.
Os dois únicos artigos da Lei Áurea não preveem indenizações pelos trabalhos prestados durante séculos dia e noite sem as mínimas condições para desempenhá-los, sem uma alimentação capaz de repor os esforços realizados, sem cuidados com a saúde e sem moradia digna. Aliás, se pôs a questão: Onde residirão os negros que não servem mais? Assim, constrói-se uma abordagem mágica acerca da lei, segundo a qual bastaria emaná-la para que instantaneamente sejam solucionadas todas as problemáticas sociais. A lei eficaz precisa perguntar: Existem as condições para as necessárias emancipações?
Talvez aqui resida uma das maiores dificuldades para abordar a problemática da meritocracia. Considere-se o plano social no conjunto das suas organizações políticas que viabilizam as mais diversas conquistas, como uma pista de atletismo para corrida de mil metros. Em seguida, encare-se cada atleta como alguém que corre para alcançar a cidadania. Naturalmente surgiria a pergunta sobre a preparação reservada a cada atleta. A mesma preparação no rigor de planejamentos e cuidados foi destinada a cada atleta? Ou será que houve uma seleção prévia, socioeconômica que separou os atletas em tela? Nesta corrida tomaram-se medidas para que todos partam da mesma linha de largada? É admissível que poucos privilegiados larguem posicionados já nos novecentos metros, enquanto milhares de pessoas privadas do básico, sequer alcançam a linha de largada? Numa leitura afetada por tais vírus sociais até a meritocracia claudica e logo se aniquila. Não há lugar para o mérito num Brasil que surge do holocausto contra o índio e o negro.
Os movimentos sociais são marcados profundamente pela luta em prol daquelas pessoas que sempre foram varridas para baixo dos tapetes sociais. Tais movimentos são canais dedicados que ampliam o grito desesperado e até então sufocado dos oprimidos. Neste século intrigante, um dos frutos esperados desta luta se verificou na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, primeiro espaço de educação superior que em 2002 inicia o sistema de cotas para índios, deficientes físicos e negros. Esta iniciativa de combate aos instrumentos de exclusão social, contou com a adesão de outros núcleos de educação, de tal modo que em 2012 o país que dizimou índios e negros aprovou a lei 12.711.
O artigo 7º da referida lei prevê que no espaço de 10 anos, o governo brasileiro se empenhará para que “pretos, pardos e indígenas” tenham acesso ao ensino superior. Surge a pergunta: O que são estes 10 anos diante de mais de 3 séculos de exploração? A educação no Brasil das desigualdades sociais sempre foi reservada aos filhos da classe dominante. Por esse período tão exíguo diante de tantos crimes cometidos, este breve artigo propõe a ampliação do mesmo para que atinja 50 anos prorrogáveis por mais 50 anos, caso não se alcance a proporcionalidade e as justas adequações sociais. As cotas não são um favor, nem são uma esmola social, mas sim uma dívida histórica. As cotas denunciam um bem que foi negado de maneira sistêmica e que deve ser devidamente dado aos descendentes deste horrendo massacre social que foi o holocausto dos negros.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Nietzsche, o cristianismo e o ressentimento.

Os filósofos não são seres iluminados que trazem mensagens divinas com a finalidade de libertar a humanidade dos seus males. Cada filósofo singularmente compreendido por mais genial que seja está sempre inserido numa história das ideias. O que determina a peculiaridade de uma perspectiva é a ênfase dada a questões que até então não foram vistas com singular especificidade. Há algo que aguarda o olhar atento de uma leitura capaz de mergulhar nas entrelinhas e retirar preciosidades ainda intactas.
Coube a Nietzsche retomar com rigor uma crítica já presente em outros espaços da filosofia. O próprio Renascimento apresentou-se como ponto contraposto ao inimigo número um da humanidade, responsável por tantas problemáticas inenarráveis isto é, o cristianismo. Já Maquiavel o acusava de ter enfraquecido as cidades e comprometido o desenvolvimento econômico com uma ética da virtude centrada sobre a compaixão, a acolhida, a piedade, a mansidão. Todos esses valores abalaram as muralhas do Reino. O filósofo florentino alfinetou o cristianismo, mas de certo modo aprendeu a conviver com o mesmo. A sua crítica soube calar diante de um poderio político e econômico que flertava com o religioso. As imagens do leão e da raposa já mostram que a modernidade filosófica verá no cristianismo uma companhia perigosa, contudo é preciso rugir no momento certo, pois assim não se colocará em risco a necessária manutenção do poder.
O arco destes três séculos que do Renascimento levam ao trabalho elaborado por Nietzsche, revela grandes nomes que não pouparam duras críticas ao cristianismo como, por exemplo, Feuerbach, autor da obra A Essência do cristianismo, e sucessivamente Karl Marx, que do ponto de vista da leitura humanista, recebe influência feuerbachiana. As promessas do cristianismo são danosas, pois são fontes de uma perniciosa alienação. O espaço da realização humana é o paraíso celeste, lugar no qual está a recompensa por tantos sacrifícios feitos e particularmente pela indispensável renúncia de si. Como se vê, Nietzsche se encontra numa cultura filosófica já endereçada na critica ao cristianismo.
O mais sórdido e duradouro plano que alcançou todos os cantos da terra consiste nesta vingança que anima o cristianismo. Na ótica de Nietzsche o cristianismo é religião dos fracos, dos humilhados que agora ressentidos serão consolados por toda eternidade. Nesta, não haverá lugar para os fortes, os vitoriosos e para aqueles que se realizaram. A estes, que não dominaram as paixões caberá o castigo eterno descrito com requintes de crueldades. Na eternidade, os escravos assumirão o senhorio tão sonhado que lhes foi negado e assim mostrarão que todo o desenvolvimento político, cultural e científico que suscitou tantos esforços e lutas incontáveis, não passava de pura fantasia ou mera ilusão.