Arrancados
dos seus lares, os negros foram jogados sobre as terras do Brasil por volta do
ano de 1580. A reflexão jurídica que derivava dos filhos dos nobres senhores
formados nas universidades europeias e, sobretudo portuguesas, pouco se
comprometeu com as situações atrozes vivenciadas pelos negros. E em muitos
casos, procurou até mesmo elaborar suporte legal para que tais situações
repousassem candidamente sob as asas daquilo que é devido e, portanto não
deveria perturbar quaisquer sãs consciências.
Quando
o século XIX cansado de si próprio, já tinha lançado as cartas de tantos
horrores, os negros foram presenteados com o texto da Lei Áurea (1888). É um
texto legal que celebra a liberdade? A liberdade é dada por uma classe
dominante ou seria um direito inalienável, inerente ao humano enquanto tal sem
considerar adjetivações de nacionalidade, opção sexual, cor, religião e
quaisquer outras? Depois de serem sugados por séculos, de verem a morte de seus
caros, de terem suas mulheres violentadas, os negros quais bagaços de cana,
foram lançados nas lixeiras da sociedade brasileira.
Os
dois únicos artigos da Lei Áurea não preveem indenizações pelos trabalhos
prestados durante séculos dia e noite sem as mínimas condições para
desempenhá-los, sem uma alimentação capaz de repor os esforços realizados, sem
cuidados com a saúde e sem moradia digna. Aliás, se pôs a questão: Onde residirão
os negros que não servem mais? Assim, constrói-se uma abordagem mágica acerca
da lei, segundo a qual bastaria emaná-la para que instantaneamente sejam
solucionadas todas as problemáticas sociais. A lei eficaz precisa perguntar:
Existem as condições para as necessárias emancipações?
Talvez
aqui resida uma das maiores dificuldades para abordar a problemática da
meritocracia. Considere-se o plano social no conjunto das suas organizações
políticas que viabilizam as mais diversas conquistas, como uma pista de
atletismo para corrida de mil metros. Em seguida, encare-se cada atleta como
alguém que corre para alcançar a cidadania. Naturalmente surgiria a pergunta
sobre a preparação reservada a cada atleta. A mesma preparação no rigor de
planejamentos e cuidados foi destinada a cada atleta? Ou será que houve uma
seleção prévia, socioeconômica que separou os atletas em tela? Nesta corrida tomaram-se
medidas para que todos partam da mesma linha de largada? É admissível que
poucos privilegiados larguem posicionados já nos novecentos metros, enquanto
milhares de pessoas privadas do básico, sequer alcançam a linha de largada?
Numa leitura afetada por tais vírus sociais até a meritocracia claudica e logo
se aniquila. Não há lugar para o mérito num Brasil que surge do holocausto
contra o índio e o negro.
Os
movimentos sociais são marcados profundamente pela luta em prol daquelas
pessoas que sempre foram varridas para baixo dos tapetes sociais. Tais
movimentos são canais dedicados que ampliam o grito desesperado e até então sufocado
dos oprimidos. Neste século intrigante, um dos frutos esperados desta luta se verificou
na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, primeiro espaço de educação
superior que em 2002 inicia o sistema de cotas para índios, deficientes físicos
e negros. Esta iniciativa de combate aos instrumentos de exclusão social, contou
com a adesão de outros núcleos de educação, de tal modo que em 2012 o país que
dizimou índios e negros aprovou a lei 12.711.
O
artigo 7º da referida lei prevê que no espaço de 10 anos, o governo brasileiro se
empenhará para que “pretos, pardos e indígenas” tenham acesso ao ensino
superior. Surge a pergunta: O que são estes 10 anos diante de mais de 3 séculos
de exploração? A educação no Brasil das desigualdades sociais sempre foi
reservada aos filhos da classe dominante. Por esse período tão exíguo diante de
tantos crimes cometidos, este breve artigo propõe a ampliação do mesmo para que
atinja 50 anos prorrogáveis por mais 50 anos, caso não se alcance a
proporcionalidade e as justas adequações sociais. As cotas não são um favor, nem
são uma esmola social, mas sim uma dívida histórica. As cotas denunciam um bem que
foi negado de maneira sistêmica e que deve ser devidamente dado aos
descendentes deste horrendo massacre social que foi o holocausto dos negros.