sábado, 23 de julho de 2016

A lei, o negro e a sociedade brasileira

A lei com as suas controvérsias é uma das coisas mais necessárias para a convivência humana. Dentre os papéis exercidos pela lei está aquele que consiste em polir posturas arbitrárias responsáveis pelas pseudopolíticas que corroem todos os órgãos sociais. A lei tem a função de cuidar para que nada violente o que existe de mais nobre: a vida humana. A lei pretende responder a uma pergunta que marca o itinerário social: o que devo fazer? A lei é tão indispensável que se pode pensá-la como o ar que dinamiza toda a ação política. É por este motivo que todo cuidado é pouco com aqueles que elaboram a lei. Uma vez contaminada por alianças espúrias, a lei provoca graves e até irreversíveis fraturas sociais.
O percurso sociopolítico brasileiro mostra que lei e justiça nem sempre se aproximam. Por vezes a lei não gritou em defesa da pessoa humana e assistiu a sua cruenta depredação. Quando se olha para este Brasil domesticado por seus colonizadores vê-se que por pouco - apenas doze anos - não se entrou no século XX cultivando ainda a ferida da escravidão. Foi necessário esperar um descuido, como se estivesse fazendo algo inaceitável, para que o Brasil guiado por uma mulher, contasse com a breve, incompleta e necessária Lei Áurea.
A lei não é uma varinha mágica que sancionada retira a liberdade de uma cartola histórica. A lei providencia elementos que recuperem tudo aquilo que foi negado a qualquer lesado. Quando esqueceu de oferecê-los, a lei não gerou igualdade e blindou desigualdades mostrando que diante dela não somos assim tão iguais como consta nos seus belos artigos. A Lei Áurea não forneceu instrumentos que sanassem as graves feridas da escravidão e disse apenas que o sangue do negro não mais contaminaria o nobre latifúndio brasileiro. Não houve um empenho concreto da lei para uma válida extinção da escravidão. O que se fez foi somente favorecer a sua continuidade através de outras inaceitáveis modalidades que deram ao negro uma dura clandestinidade como recompensa por ter enriquecido esta sociedade.
O passado escravocrata brasileiro surgiu do nada, não tem culpados e nem deve respostas? É possível aceitar que o negro deixe apenas de ser escravizado e seja marginalizado? O Estado pode cruzar seus braços após ter colaborado com o teatro do negro escravizado? A lei hodierna deve repetir os erros do passado e deixar de promover uma real inserção social? Tudo o que este Brasil deve ao negro passa através dos canais educacionais outrora negados. A lei 12.711/12 chega com um enorme atraso e com a tarefa social de sanar as desigualdades abissais movidas pela vergonhosa falta de compromisso político com o negro oprimido que não aceita uma liberdade sancionada e quer construí-la por meio de políticas públicas efetivas.

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